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Espaço para divulgação da Marcha Zumbi +10, que ocorrerá no dia 16 de novembro de 2005, junto aos meios de comunicação, militância, mundo acadêmico entre outros.

11.10.2005

Projeto de Lei nº 213, de 2003, que institui o Estatuto da Igualdade Racial

PARECER Nº , DE 2005
Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, sobre o Projeto de Lei nº 213, de 2003, que institui o Estatuto da Igualdade Racial.




RELATOR: Senador RODOLPHO TOURINHO



I – RELATÓRIO

Vem ao exame da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania o Projeto de Lei do Senado nº 213, de 2003, de autoria do Senador Paulo Paim, instituindo o Estatuto da Igualdade Racial. Trata-se de projeto ambicioso, no melhor sentido, espraiando sua normatividade por extensa gama de matérias e assuntos em que se vislumbram situações de discriminação dos brasileiros afro-descendentes, desde a área da saúde, educação, cultura, esporte, lazer, liberdade de crença, acesso à terra e ao mercado de trabalho em geral e especialmente nos meios de comunicação social, até o acesso à justiça.

Ao quadricentenário processo de exclusão social, cívico-política e cultural dos afro-brasileiros, a proposição em exame responde com uma bela e generosa pauta de providências, instrumentos e diretrizes tendentes, como consta de seu art. 3º, “à reparação, compensação e inclusão das vítimas da desigualdade e à valorização da diversidade racial”.

Inúmeras são as ações cometidas pelo presente projeto às instituições públicas no sentido da promoção da igualdade social e integração dos afro-brasileiros na coletividade, incluindo a criação do Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que proveria suporte financeiro a tais ações.

Justificando sua iniciativa diz o autor que:

Não queremos a cultura afro-brasileira vista, sentida e experimentada somente nas práticas religiosas, música ou alimentação. Queremos a cultura do negro inserida nas escolas, no mercado de trabalho, nas universidades, pois o negro faz parte do povo brasileiro. Cultivar as raízes da nossa formação histórica evidentes na diversificação da composição étnica do povo é o caminho mais seguro para garantirmos a afirmação de nossa identidade nacional e preservarmos os valores culturais que conferem autenticidade e singularidade ao nosso país.

É imprescindível que haja união entre as pessoas povos, nacionalidades e culturas. Todos os esforços para combater as barreiras discriminatórias são subsídios concretos para a formação de um novo ser humano, capaz de elevar-se à altura de seu destino e evitar destruir a si mesmo.


A proposição, tramitando há mais de dois anos no Senado Federal, já foi examinada e aprovada com emendas por 3 comissões técnicas desta Casa – a Comissão de Assuntos Econômicos, a Comissão de Educação e a Comissão de Assuntos Sociais –, onde recebeu valiosas contribuições por parte dos respectivos relatores, o Senador César Borges, a Senadora Roseana Sarney e este mesmo relator, quando tivemos a honra de relatar a matéria na Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

Tal périplo do projeto já indica, por si só, a quantidade de aspectos por ele contemplados, a suscitar exame e merecer a reflexão dos membros desta Casa.

Chega, enfim, à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde sua análise terá caráter terminativo, conforme despacho da Mesa do Senado, e, nessa qualidade, abrangerá aspectos tanto de constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa quanto do seu mérito.

Nesta CCJ, não foram apresentadas emendas ao projeto no prazo regimental.




II – ANÁLISE DA PROPOSIÇÃO

É indiscutível a competência do Congresso Nacional de dispor sobre o assunto, como consta do art. 48 combinado com os arts. 23, V e X, 21, XXIV e 24, IX da Constituição da República.

Assim , é a lei federal, de fato, a espécie normativa necessária e suficiente à sua veiculação. Além disso, não estão as matérias abordadas na proposição entre aquelas gravadas com reserva temática de iniciativa do Presidente da República, podendo, então, qualquer Deputado ou Senador sobre elas inaugurar o processo legislativo.

Nesse aspecto, aliás, vale observar que oferecemos emendas à redação original de modo a converter dispositivos de feição cogente, quanto à atuação de órgãos vinculados a outros Poderes do Estado, ou a outros entes federativos, em preceitos de índole meramente autorizativa, de sorte a imunizar a proposição contra a pecha de inconstitucional.

A propósito, arrede-se, desde já, qualquer objeção ao seu trâmite, com base no caráter autorizativo da proposição, sob o argumento de a simples detenção dessa qualidade autorizativa implicar eiva de injuridicidade ou inconstitucionalidade, por falta de coercitividade ou por pretensa usurpação de iniciativa reservada ao Presidente da República de dispor sobre organização e funcionamento da Administração Pública Federal.

Tal argumentação não procede, tendo em vista o Parecer nº 527/1998, de autoria do saudoso Senador Josaphat Marinho, que afirma ser juridicamente possível a edição de leis autorizativas, considerando que “efeito jurídico desse tipo de lei é o de sugerir ao Poder Executivo, como forma de colaboração, a prática de ato de sua competência”.

Finalmente, a proposição obedece, em geral, a boa técnica legislativa e aos cânones de correção de linguagem, carecendo de poucas emendas reparadoras de algumas imperfeições nesse particular. Quanto ao seu mérito, ninguém pode negar-lhe oportunidade nem muito menos conveniência, sem incorrer em grande injustiça não só com o ilustre autor – Senador Paulo Paim – mas, sobretudo, com a imensa comunidade afro-brasileira que fará jus, finalmente, com o advento do Estatuto da Igualdade Racial, a um documento legal assecuratório de amplas oportunidades de compartilhamento, em condições de isonomia, por parte de todos os cidadãos, independente de cor ou étnica, dos benefícios de uma cidadania plena.

Nesse contexto, a maior de todas as virtudes da proposição em análise é exatamente postular a superação do racismo mediante a criação de mecanismos de dois tipos: os que buscam reverter a condição de desvantagem socioeconômica em que se encontram os negros e aqueles que visam fundar uma nova sociabilidade, baseada na igualdade de todos, por meio do reconhecimento da enorme importância da contribuição dos afro-brasileiros para a nacionalidade.

Assim, a proposta pretende obrigar os serviços de saúde a cuidar das doenças prevalentes na população negra e visa instituir instrumentos que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, mas ao mesmo tempo, cuida da formação de docentes baseada nos princípios da eqüidade, tolerância e respeito às diferenças raciais, bem como do desenvolvimento de campanhas educativas destinadas a tornar a solidariedade social para com os negros um elemento constituinte da cultura brasileira.

O projeto do Senador Paim tenta resgatar todo um passado de opressão profundamente desigualador da comunidade afro-brasileira, que deita raízes até nossos dias, não só em formas mal disfarçadas de preconceito (“boa aparência”, “entrada de serviço”), mas na feição de irregularidades e escabrosas diferenças estatisticamente apuradas, ano após ano, pelo IBGE, no acesso desses segmentos aos bens de cultura, de civilização, de conforto, ao bem estar social, numa palavra, à cidadania.

Quando, sem propor medidas paliativas, o projeto se volta à convocação das instituições públicas e do Estado para um esforço nacional de discriminação positiva em relação aos afro-descendentes, está-se, inequivocamente, remetendo as consciências para nossa maior dívida social, aquela gerada por uma abolição irresponsável, meramente formal e inteiramente descomprometida com o futuro dos libertos; tão omissa a ponto de conter a Lei Áurea (Lei nº 13.353, de 13 de maio de 1888) somente 2 artigos, contando-se a cláusula revocatória.

A simples observação da linguagem adotada no projeto, ao mencionar não “negros ou “pardos”, mas “afro-descendentes” e “afro-brasileiros” traz à memória cívica o passado da escravidão, a mais duradoura instituição deste país, que, por quatro séculos se nutriu da exploração e da humilhação dos contingentes de cativos, e que continua a operar suas seqüelas em nossa sociedade, no mundo do trabalho, da educação, da cultura, da política, da vida em geral.

De forma que, como baiano, oriundo de Estado de maioria afro-brasileira, sentimo-nos orgulhoso de relatar, na CCJ, como já o fizéramos na CAS, uma iniciativa do porte, da novidade e do potencial jurídico-normativo do Estatuto da Igualdade Racial, que vem coroar a conhecida luta de seu autor pelos direitos civis, sociais e políticos da comunidade afro-descendente, retomando e ultimando, de fato e de direito, os combates deixados inconclusos pelos bravos abolicionistas do século XIX.

Neste ponto, passaremos a elencar e comentar cada uma das emendas apresentadas nas três comissões técnicas da Casa e a razão de sua adoção ou rejeição por nós na forma do Substitutivo que propomos ao fim do presente Relatório.



III – ANÁLISE DAS EMENDAS DA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONÔMICOS, DA COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E DA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS E PROPOSTA DE SUBSTITUTIVO


Na CAE, foram apresentadas pelo relator da matéria, Senador César Borges, 5 emendas ao projeto.

A Emenda nº 1-CAE, ao art. 7º do PLS nº 213/2003, visa, tão-somente, a adequação da denominação do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, órgão já criado pelo Poder Executivo, em substituição ao Conselho Nacional de Defesa da Igualdade Racial, nome previsto no projeto.

Isso, porém, não resolve a inconstitucionalidade formal (vício de iniciativa) de que é portador o referido art. 7º, exigindo redação que o torne de cunho autorizativo, como proporemos mais adiante, ao apresentarmos nosso substitutivo.

Deve, então, ser rejeitada.

A Emenda nº 2-CAE, ao art. 26 do projeto em exame, embora aperfeiçoe a dicção do PLS 213/2003, dando a necessária feição autorizativa à criação do Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial, foi aprimorada pela Emenda nº 26-CAS, a qual veio assegurar o princípio de proporcionalidade de gênero entre os beneficiários do novo Fundo.

Rejeite-se, pois, a Emenda nº 2-CAE.

A Emenda nº 3-CAE, ao art. 27 do projeto em análise, deve ser rejeitada, uma vez que julgamos mais adequada a adoção de nova sistemática de financiamento das iniciativas de promoção da igualdade racial que tenha por base a previsão de recursos orçamentários nos diversos setores governamentais. Essa é a razão por que propomos que o capítulo relativo ao financiamento da política de promoção da igualdade racial seja radicalmente modificado e assuma a forma por nós alvitrada no substitutivo que oferecemos ao fim do presente parecer.

A Emenda nº 4-CAE, ao art. 28 do PLS 213/2003, meramente ajusta o nome original de Conselho Nacional de Defesa da Igualdade Racial para Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial “nos termos do art. 5º” da futura lei, corrigindo a remissão errada, feita no projeto original: “nos termos do art. 4º da lei”.

Ora, ocorre que ambas as remissões, tanto a do projeto original quanto a da presente emenda, estão equivocadas, pois a primeira menção feita ao dito Conselho se encontra no art. 6º do projeto, razão pela qual rejeitamos a Emenda nº 4-CAE.

A Emenda nº 5, ao art. 63 caput e § 1º do projeto, intenta simplesmente adaptar também a denominação do Conselho.

No entanto, isso não basta porque, por um lado, o caput do art. 63 resultante dessa emenda vai ainda requerer sua transformação em dispositivo meramente autorizativo, por força do art. 61, § 1º, II, e c/c o art. 84, VI a da CF, merecendo, por isso, alteração por nós proposta no Substitutivo.

Por outro, no mérito, a Emenda nº 58-CAS, a ser comentada aqui a seu tempo, houve por bem ir mais longe no aperfeiçoamento do art. 63, § 1º, incluindo, na composição do Grupo de Trabalho para a elaboração do Programa Especial de Acesso à Justiça para a população afro-brasileira, representantes da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos humanos.

Fica, então, rejeitada, a Emenda nº 5-CAE.

Na CE foram oferecidas duas emendas ao projeto – as de nºs 6 e 7.

A Emenda nº 6-CE, ao art. 57 do projeto, esclarece melhor a redação desse dispositivo, garantindo a participação de afro-brasileiros em peças publicitárias, nas emissoras de televisão e em salas cinematográficas em percentual não inferior a 20% do total de atores e figurantes, somente quando tais peças contiverem imagens de pessoas, alteração indispensável; sem o que poderia parecer obrigatória a veiculação de comerciais contendo sempre imagens de pessoas, coisa irrazoável.

Acolhemos, assim, essa emenda no nosso substitutivo.

A Emenda nº 7-CE, aditiva, ao art. 65 do projeto, visa a solucionar casos de aplicação do sistema de cotas, previsto no projeto, em que resultem números fracionários, desprezando-se a parte fracionária inferior a um meio e adotando-se o nº inteiro imediatamente superior se a parte fracionária for igual ou superior a um meio. Essa emenda é acolhida no Substitutivo.

Na CAS foram oferecidas nada menos que 51 emendas ao projeto – as de nºs 8 a 58.

As Emendas da CAS nºs 8, 9 e 10 (esta aditiva) têm intuito de melhorar não só a técnica legislativa, mas também aspectos de mérito da proposição, sugerindo-se a introdução de um art. 2º.

Em primeiro lugar, propõe-se que o objetivo do Estatuto, estabelecido no caput do art. 1º, seja ampliado, de forma a combater a discriminação racial e “as desigualdades estruturais e de gênero” que atingem os afro-brasileiros.

Ademais, julga-se mais apropriado deixar no art. 1º do projeto apenas as disposições relativas ao objeto da lei. Por isso, propõe-se a transferência dos quatro parágrafos do mencionado dispositivo para um novo art. 2º, agora sob a forma de incisos, providência que permite evitar o registro repetitivo da expressão “para efeito deste Estatuto”.

Igualmente, sugere-se a supressão, no § 2º do art. 1º, do vocábulo “injustificadas”, uma vez que o conceito de desigualdade racial deve envolver toda situação de diferenciação. No caso contrário, sempre caberá alegação do autor da discriminação de que seu ato é justificado. Além disso, postula-se incluir a vida privada entre os âmbitos em que pode ocorrer a distinção que caracteriza a discriminação racial.

Em obediência à adequada técnica legislativa, postula-se no § 3º do art. 1º, a permuta da expressão “e/ou” por “ou”.

No § 5º, pretende-se seja substituída a sentença “os programas e medidas especiais adotados” por “as políticas públicas adotadas”, pois os programas e medidas especiais estão incluídos no conceito de políticas públicas definido pelo Estatuto no § 4º do próprio art. 1º.

Por tudo isso, as Emendas nºs 8, 9 e 10-CAS são acatadas pelo Substitutivo.

A Emenda nº 11-CAS, de mérito, ao alterar o art. 2º do projeto, visa a inserir a etnia entre as características do cidadão que não podem ser discriminadas pelo Estado e pela sociedade ao garantir a igualdade de oportunidades a todo brasileiro. Nesse dispositivo, também explicitamos as atividades em que fica assegurado o direito de participação em igualdade de oportunidades.

Essa emenda é adotada pelo Substitutivo.

A Emenda nº 12-CAS, ao modificar o art. 4º do projeto, objetiva a efetivação de algumas mudanças redacionais relevantes.

No inciso II do art. 4º, postula-se a troca da expressão “medidas, programas e políticas de ação afirmativa” pela sentença “ações afirmativas voltadas para o combate à discriminação e às desigualdades raciais”, desde que o Estatuto define o conceito de ações afirmativas com base em programas e medidas.

Com a finalidade de aperfeiçoar a redação do inciso III do art. 4º, propõe-se a permuta da palavra “modificação” pelo vocábulo “adequação” e, assim, suprime-se a palavra “adequado”. Além disso, sugere-se seja introduzido, ao fim do texto do citado dispositivo, a expressão “e da discriminação racial”.

Ainda com o fim de aprimorar a redação, sugere-se seja substituída a expressão “iniciativa legislativa” por “ajustes normativos”, conforme registrado no inciso IV do art. 4º. Em seguida, propõe-se a troca da colocação dos vocábulos “estruturais” e “institucionais”, de maneira a conferir ordem crescente de abrangência às manifestações enumeradas.

Em razão de crer-se preferível valorizar a igualdade, postula-se a permuta, no inciso V do art. 4º, da palavra “diversidade” por “igualdade”.

Pelos motivos já referidos, concernentes à definição de ações afirmativas, “propõe-se a substituição, no inciso VII do art. 4º, da sentença “programas de ação afirmativa destinados” por “ações afirmativas destinadas”. Nesse mesmo dispositivo postula-se a troca do vocábulo “mídia”, expressão aportuguesada, por “meios de comunicação de massa”, forma correspondente da língua portuguesa.

Do parágrafo único do art. 4º, sugere-se a retirada da palavra “todo”, em virtude da desnecessidade de seu registro.

Com a finalidade de introduzir a proporcionalidade de gênero como princípio norteador da igualdade de oportunidades, de forma a garantir a plena participação da mulher afro-brasileira como beneficiária do Estatuto da Igualdade Racial, propõe-se a inclusão de § 2º no art. 4º.

Assim, essa emenda é de ser acolhida em sua quase integralidade, e, com a ressalva de uma substituição, em nome da clareza, da expressão “servidores”, constante do inciso VII do art. 4º do projeto, por “serviços”, é adotada pelo Substitutivo.

A Emenda nº 13-CAS, alterando os arts. 5º e 6º do projeto, visa apenas à adequação onomástica da expressão “Conselhos de Defesa da Igualdade Racial” para “Conselhos de Promoção da Igualdade Racial”, já que esse órgão já existe atualmente com este nome.

No entanto, tal modificação textual não basta, uma vez que os arts. 5º e 6º incursionam em áreas reservadas à autonomia legislativa de Estados, DF e Municípios de prover normas para a sua auto-administração, ao impor-lhes a obrigação de instituir Conselhos de Promoção da Igualdade Racial e Ouvidorias Permanente em Defesa da Igualdade Racial, junto aos poderes legislativos estaduais e municipais.

Assim, é preciso dar-lhes caráter de normas autorizativas para escaparem à imputação de atentatórios ao princípio federativo.

Desse modo, impõe-se aqui a rejeição dessa Emenda nº 13-CAS para dar lugar a texto saneador desse vício, apresentado no Substitutivo.

De nossa parte, julgamos imprescindível acrescentar novo parágrafo ao art. 5º, de forma a estabelecer que a União priorizará o repasse dos recursos previstos na lei que resultar do projeto em exame às unidades da Federação que tenham criado Conselho de Promoção da Igualdade Racial.

A Emenda nº 14-CAS, que, meramente, substitui, no art. 7º do projeto, a expressão remissiva “nos termos do art. 4º” por “nos termos do art. 6º”, a propósito do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, além de desnecessária, é também daquele tipo de emendas que, por atribuírem competência a órgão público federal – o próprio Conselho –, requer transformação de seu caráter cogente para um caráter autorizativo, em homenagem à regra constitucional de reserva de iniciativa na matéria em favor do Presidente da República. Fica, pois, rejeitada.

A Emenda nº 15-CAS, que, também visa apenas à adequação terminológica da expressão “Conselho Nacional de Defesa da Igualdade Racial” para “Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial”, nos arts. 7º, 8º e 63 caput e § 1º, encontra-se prejudicada por ter sido o objeto desse dispositivo tratado mais amplamente e com mais correção jurídica, seja no texto saneador prometido na discussão da emenda da CAS anterior – Emenda nº 14-CAS – seja, quanto ao conteúdo, pelo tratamento mais abrangente do assunto provido pela Emenda nº 58-CAS, a ser discutida adiante neste relatório.

Rejeite-se, pois, a Emenda nº 15-CAS.

A Emenda nº 16-CAS, alteando o art. 11 do projeto, visa à introdução, nos documentos do SUS, não só do quesito raça/cor, mas também do quesito gênero.

A emenda merece acatamento no Substitutivo.

A Emenda nº 17-CAS, alterando o art. 13, § 2º, pretende aprimorar, tão-só, a redação do dispositivo e merece acolhida no Substitutivo.

Propomos a inserção de um parágrafo 4º ao art. 13 com a finalidade de autorizar o Ministério da Educação a promover a introdução de matérias relativas às especificidades da saúde da população afro-brasileira nos currículos dos cursos de saúde e nos demais sistemas de ensino.


Sugerimos igualmente adequação dos incisos I, II, IV e VII do § 2º do art. 14 e no inciso III do § 3º do mesmo artigo.

A Emenda nº 18-CAS, alterando o art. 14, § 3º, IV e § 4º, tem inspiração, igualmente, em considerações de técnica legislativa, e é aqui perfilhada no Substitutivo.

Parece-nos imprescindível também a introdução do inciso VI no § 3º do art. 14 com a finalidade de garantir o fornecimento de medicamentos e insumos aos afro-brasileiros portadores de hemoglobinopatias.

A Emenda nº 19-CAS, alterando o art. 18, § 2º atende, por igual, ao interesse da concisão vocabular e é de ser acolhida no Substitutivo.

Sugerimos a introdução de um § 3º ao art. 18, de forma a facultar aos tradicionais mestres de capoeira atuar como instrutores dessa arte-esporte nas instituições de ensino públicas e privadas.

A Emenda nº 20-CAS, modificando o art. 19 do projeto, visa a melhorar a técnica legislativa da proposição, em atenção aos ditames da Lei Complementar 95/98 e é recebida por nós no Substitutivo.

A Emenda nº 21-CAS, modificando o art. 20, confere a Estados, Municípios e instituições privadas de ensino a responsabilidade de qualificar professores para o ensino da disciplina “História Geral da África e do Negro do Brasil”. Como se trata de norma geral sobre educação, não nos parece afrontar a competência dos entes federativos periféricos, encontrando, assim, arrimo na competência concorrente da União, ex vi do art. 24, IX, e, assim, merece acolhida no Substitutivo.


A Emenda nº 22-CAS, alterando o art. 22, embora com o elogiável propósito de assegurar o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários dos programas de extensão universitária destinados a aproximar jovens afro-brasileiros de tecnologias avançadas – objetivo que deve, aliás, ser mantido –, requer, no entanto, assumir viés autorizativo para descaracterizar o seu vício de iniciativa, já que dirige comando cogente a órgão da administração pública federal. Deve, pois, ser rejeitada a Emenda nº 22-CAS, embora aproveitado seu conteúdo no Substitutivo.

A Emenda nº 23-CAS, ao alterar o art. 23, pretende incluir o quesito gênero ao lado do quesito raça-cor em todo instrumento de coleta de dados do censo escolar promovido pelo Ministério da Educação. Esta emenda, tanto quanto a anterior, terá preservado por nós seu objetivo, mas deve ser rejeitada, dando lugar a outro texto de viés autorizativo, já que ao Ministério da Educação, órgão da administração federal, não se podem cometer atribuições específicas por projeto de iniciativa parlamentar (art. 61, § 1º, II, e c/c o art. 84, VI da CF).

A Emenda nº 24-CAS, modificando o art. 24, pretende tão-somente uma redação mais fiel à história dos cultos de origem africana praticados no Brasil e é digna de acatamento no Substitutivo.

A Emenda nº 25-CAS, ao modificar o art. 25, também pretende conformar sua redação à necessidade de maior precisão conceitual do preceito, no que tange aos valores religiosos afro-brasileiros e se credencia, portanto, a ser acolhida, exceto no que se refere à redação do inciso II mantida como no original.

Parece-nos aconselhável um inciso VII no art. 25, de maneira a facultar o acesso aos meios de comunicação para divulgação das religiões afro-brasileiras e para denúncia de manifestações de intolerância religiosa contra tais cultos.

A Emenda nº 26-CAS, alterando o art. 26, deve ser rejeitada em decorrência da nova sistemática de financiamento das políticas de promoção da igualdade racial, conforme já referido.

A Emenda nº 27-CAS, aditiva, ao inserir 4 novos artigos (27, 28, 29 e 30), renumerando os seguintes, busca assegurar, aos praticantes de religiões de origem africana, mais liberdade no exercício de seus cultos, assistência religiosa aos adeptos internados em hospitais, bem como a ajuda do Estado no combate à intolerância racial e no incentivo às ações socioeducativas de entidades afro-brasileiras voltadas à inclusão social.

Não obstante a justiça de seu conteúdo, que será mantido por nós, a emenda incide em erro material, mencionando equivocadamente a inserção dos arts. 26, 27, 28 e 29 no texto original.

Além disso, uma alteração de redação ao novo art. 28 é necessária para dar-lhe clareza.

Assim, rejeita-se essa emenda para dar lugar a novo texto no Substitutivo, similar em conteúdo.

A Emenda nº 28-CAS, aditiva, propõe a inclusão de novo Capítulo V no Título II – Dos Direitos Fundamentais, do projeto, constituído pelos arts. 31 a 38, que dispõem sobre questões específicas da mulher negra.

É por nós recebida no texto do Substitutivo, tendo como única ressalva, em nome da clareza, a substituição da expressão “ao turismo sexual”, para “aos crimes sexuais associados à atividade do turismo”.

As Emendas CAS nºs 29 a 37 devem ser rejeitadas, uma vez que propomos a reformulação integral do Capítulo VI do Título II, inclusive no que se refere ao título do mencionado capítulo. Isso porque julgamos necessário explicitar as etapas a serem cumpridas pelo processo administrativo de demarcação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.

As Emendas nºs 38, 39 e 40-CAS, aos arts. 42 e 43, colimam unicamente reparar pequenas incorreções de técnica legislativa, todas justificáveis e acolhidas por este relator no Substitutivo.

A Emenda nº 41-CAS, aditiva de um § 4º ao art. 43, intenta seja observado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os afro-brasileiros beneficiários das ações que visam assegurar a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho.

O alvitre é acatado no Substitutivo.

A Emenda nº 42-CAS, ao art. 44 do projeto, embora meritória ao assegurar novamente o princípio da proporcionalidade de gênero para os beneficiários de programas e projetos do CODEFAT voltados à inclusão de afro-brasileiros, não pode ser aceita na forma em que está vazada, por implicar usurpação de iniciativa legislativa presidencial na matéria, razão pela qual a rejeitamos, aproveitando embora sua finalidade essencial, para reapresentá-la, com o devido saneamento dessa inconstitucionalidade, mais adiante, no Substitutivo.

Julgamos aconselhável modificar a redação do caput do art. 46 de modo a afastar possíveis imputações de inconstitucionalidade formal. Por essa razão, rejeitamos a emenda nº 45-CAS.

As Emendas nºs 43 e 44-CAS, alterando o art. 46 I e II, tem como escopo unicamente desfazer ambigüidades redacionais e devem ser acatadas no Substitutivo.

No art. 47, propomos modificação de natureza redacional consubstanciada na substituição da expressão “tiver” por “mantiver”.

A Emenda nº 46-CAS, alterando o art. 48, caput, propõe a inserção do quesito gênero nos registros administrativos direcionados aos empregadores e aos trabalhadores do setor privado e do setor público.

Meritória, a sugestão é aceita no Substitutivo.

A Emenda nº 47, alterando os incisos III e IV do art. 48 é de cunho meramente redacional e, recebida por nós, incorpora-se ao Substitutivo.

A Emenda nº 48, alterando o inciso VI do art. 48, também redacional, precisa ainda de correção para que o inciso guarde simetria sintática com os incisos anteriores, removendo-se dele a expressão “todos os”.

Assim, o objeto da emenda foi acolhido no Substitutivo.

A Emenda nº 49-CAS, suprimindo o art. 49, é oportuna, em virtude da existência do Projeto de Lei do Senado nº 309, de 2004, de autoria do Senador Paulo Paim, que define os crimes resultantes de discriminação e preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Parece-nos mais pertinente tratar as matérias constantes do art. 49 no âmbito do mencionado projeto de lei, que, a propósito, em seu art. 13, propõe a revogação da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, objeto do dispositivo cuja supressão se postula.

Assim, é recebida a supressão no Substitutivo.

A Emenda nº 50-CAS, alterando aspectos puramente redacionais do projeto, incorre, ainda assim, em pequenos deslizes de técnica legislativa a serem oportunamente corrigidos no Substitutivo.

As emendas CAS nºs 51 a 54 devem ser rejeitadas em decorrência do novo tratamento que sugerimos seja dado ao Capítulo VII do Título II.

A Emenda nº 35-CAS, aditiva, incluindo § 2º no art. 56, pretende que, na proporção de figurantes e atores exibidos em programas e filmes veiculados pela televisão, metade seja de mulheres afro-brasileiras.

Altamente meritória, merece a idéia acatamento no Substitutivo.

A Emenda nº 56-CAS, supressiva, elimina o art. 60, caput e parágrafo único, já que o tema está incluído no PLS 309/2004, que, introduzindo nova lei para os crimes raciais, pretende revogar a Lei 7.716/89, que se pretendia alterar neste Estatuto. É aceita a supressão no Substitutivo.

A última emenda da CAS é a de nº 58, alterando o art. 63, para disciplinar a constituição de Grupo de Trabalho pelo Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, para elaborar Programa Especial de Acesso à Justiça para a população afro-brasileira.

Na verdade, tal Programa prevê a criação de delegações e varas criminais pra apuração e julgamento de demandas criminais e cíveis originadas da legislação antidiscriminatória e de promoção da igualdade racial. Com isso, incorre-se em usurpação de iniciativa legislativa exclusiva, de um lado, do Poder Judiciário, já que a Lei Maior comete aos Tribunais, privativamente, a iniciativa de propor criação de novas varas judiciárias ex vi dos arts. 96, I, d e 96, II, d, e de outro, do Poder Executivo, já que delegacias de polícia integram a administração pública.

Desse modo, deve ser rejeitada a Emenda nº 58-CAS, se bem que, escoimados seus vícios de inconstitucionalidade, redundará em novo texto proposto no Substitutivo.

Além do exame de todas essas emendas, a maioria das quais adotadas por nós, cabe aduzir que constam no Substitutivo oferecido alterações a diversos outros dispositivos do PLS 213/2003, cuja quase totalidade se referem à conversão de preceitos de feição cogente e imperativa e, nesta qualidade, subtraindo iniciativa privativa de outros órgãos e Poderes do Estado, no sentido de transformá-las em dispositivos simplesmente autorizativos, elidindo qualquer eiva de inconstitucionalidade que se lhes pudesse imputar.


IV – VOTO

Em face de todo o exposto, o voto é pela aprovação do PLS nº 213, de 2003, na forma do seguinte Substitutivo.


PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 213, DE 2003 (SUBSTITUTIVO)




TÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES


Art. 1º Esta lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, para combater a discriminação racial e as desigualdades estruturais e de gênero que atingem os afro-brasileiros, incluindo a dimensão racial nas políticas públicas e outras ações desenvolvidas pelo Estado.

Art. 2o Para os fins deste Estatuto considera-se:
I – discriminação racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada.
II – desigualdade racial: as situações de diferenciação de acesso e gozo de bens, serviços e oportunidades, na esfera pública e privada;
III – afro-brasileiros: as pessoas que se classificam como tais ou como negros, pretos, pardos ou por definição análoga.
IV – políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais.
V – ações afirmativas: as políticas públicas adotadas pelo Estado para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.

Art. 3º É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia, raça ou cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades política, econômica, empresarial, educacional, cultural e esportiva, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.

Art. 4º Além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais, aos direitos sociais, econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a reparação, compensação e inclusão das vítimas da desigualdade e a valorização da igualdade racial.

Art. 5º A participação dos afro-brasileiros, em condições de igualdade de oportunidades, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de:
I – inclusão da dimensão racial nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social;
II – adoção de ações afirmativas voltadas para o combate à discriminação e às desigualdades raciais;
III – adequação das estruturas institucionais do Estado para o enfrentamento e a superação das desigualdades raciais decorrentes do preconceito e da discriminação racial;
IV – promoção de iniciativa legislativa para aperfeiçoar o combate à discriminação racial e às desigualdades raciais em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais;
V – eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da igualdade racial nas esferas pública e privada;
VI – estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades raciais, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos e contratos públicos;
VII – implementação de ações afirmativas destinadas ao enfrentamento das desigualdades raciais nas esferas da educação, cultura, esporte e lazer, saúde, trabalho, meios de comunicação de massa, terras de quilombos, acesso à Justiça, financiamentos públicos, contratação pública de serviços e obras, entre outras.
§ 1º Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em imediatas iniciativas reparatórias, destinadas a iniciar a correção das distorções e desigualdades raciais derivadas da escravidão e demais práticas discriminatórias racialmente adotadas, na esfera pública e na esfera privada, durante o processo de formação social do Brasil e poderão utilizar-se da estipulação de cotas para a consecução de seus objetivos.
§ 2º As iniciativas de que trata o caput deste artigo nortear-se-ão pelo respeito à proporcionalidade entre homens e mulheres afro-brasileiros, com vistas a garantir a plena participação da mulher afro-brasileira como beneficiária deste Estatuto.


Art. 6º Ficam os Poderes Executivos federal, estaduais, distrital e municipais autorizados a instituir, no âmbito de suas esferas de competência, Conselhos de Promoção da Igualdade Racial, de caráter permanente e deliberativo, compostos por igual número de representantes de órgãos e entidades públicas e de organizações da sociedade civil representativas da população afro-brasileira.
§ 1º A organização dos conselhos será feita por regimento próprio.
§ 2º Fica a União autorizada a priorizar o repasse dos recursos referentes aos programas e atividades previstos nesta Lei aos Estados, Distrito Federal e Municípios que tenham criado os Conselhos de Promoção da Igualdade Racial nos seus respectivos níveis.


Art. 7º Ficam os Conselhos de Promoção da Igualdade Racial autorizados a formular, coordenar, supervisionar e avaliar as políticas de combate à desigualdade e à discriminação racial.


Art. 8º O Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial fica autorizado a promover, em conjunto com os Ministros de Estado as articulações intraministeriais e interministeriais necessárias à implementação da política nacional de combate à desigualdade e à discriminação racial.


Art. 9º O Poder Executivo Federal garantirá a estrutura física, os recursos materiais e humanos e a dotação orçamentária para o adequado funcionamento do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial.


Art. 10. O relatório anual dos Ministros de Estado previsto no art. 87, parágrafo único, III, da Constituição Federal, conterá informações sobre as políticas públicas, programas e medidas de ação afirmativa efetivadas no âmbito de sua esfera de competência.

TÍTULO II
Dos Direitos Fundamentais
CAPÍTULO I
Do Direito à Saúde


Art. 11. O direito à saúde dos afro-brasileiros será garantido pelo Estado mediante políticas sociais e econômicas destinadas à redução do risco de doenças e outros agravos.

Parágrafo único. O acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde para promoção, proteção e recuperação da saúde da população afro-brasileira será proporcionado pelos governos federal, estaduais, distrital e municipais com ações e serviços em que sejam focalizadas as peculiaridades dessa parcela da população.

Art. 12. O quesito raça/cor, de acordo com a autoclassificação, e o quesito gênero serão obrigatoriamente introduzidos e coletados, em todos os documentos em uso no Sistema Único de Saúde, tais como:
I – cartões de identificação do SUS;
II – prontuários médicos;
III – fichas de notificação de doenças;
IV – formulários de resultados de exames laboratoriais;
V – inquéritos epidemiológicos;
VI – estudos multicêntricos;
VII – pesquisas básicas, aplicadas e operacionais;
VIII – qualquer outro instrumento que produza informação estatística.

Art. 13. O Ministério da Saúde fica autorizado a produzir, sistematicamente, estatísticas vitais e análises epidemiológicas da morbimortalidade por doenças geneticamente determinadas ou agravadas pelas condições de vida dos afro-brasileiros.

Art. 14. O Poder Executivo incentivará a pesquisa sobre doenças prevalentes na população afro-brasileira, bem como desenvolverá programas de educação e de saúde e campanhas públicas de esclarecimento que promovam a sua prevenção e adequado tratamento.

§ 1º O Ministério da Saúde fica autorizado a definir, em regulamento, as doenças prevalentes na população afro-brasileira e os programas mencionados no caput deste artigo.
§ 2º As doenças prevalentes na população afro-brasileira e os programas mencionados no caput deste artigo integrarão os programas de cursos e treinamentos para a área de saúde.
§ 3º Os órgãos federais de fomento à pesquisa e à pós-graduação ficam autorizados a criar, no prazo de doze meses, linhas de pesquisa e programas de estudo sobre a saúde da população afro-brasileira.
§ 4º O Ministério da Educação fica autorizado a promover, no âmbito do sistema federal de ensino, os estudos e as medidas administrativas necessárias à introdução, no prazo de quatro anos, de matérias relativas às especificidades da saúde da população afro-brasileira como temas transversais nos currículos dos cursos de saúde e incentivará, em igual prazo, a adoção de tais medidas dos demais sistemas de ensaios.

Art. 15. Os estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, que realizam partos, farão exames laboratoriais nos recém-nascidos para diagnóstico de hemoglobinopatias, em especial o traço falciforme e a anemia falciforme.
§ 1º O Sistema Único de Saúde fica autorizado a incorporar o pagamento dos exames citados neste artigo em sua tabela de procedimentos.
§ 2º Os gestores municipais ou estaduais do Sistema Único de Saúde ficam autorizados a organizar serviços de assistência e acompanhamento de pessoas portadoras de traços falciforme e crianças com diagnósticos positivos da anemia falciforme mediante:
I – informação e aconselhamento genético para a comunidade, em especial para os casais que desejam ou esperam filhos;
II – acompanhamento clínico pré-natal e assistência aos partos das mulheres portadoras do traço falciforme, bem como aos neonatos;
III – medidas de prevenção de doenças nos portadores de traço falciforme, garantindo vacinação e toda a medicação necessária;
IV – assistência integral e acompanhamento dos portadores de doença falciforme nas unidades de atendimento ambulatorial especializado;
V – integração na comunidade dos portadores de doença falciforme, suspeitos ou comprovados, a fim de promover, recuperar e manter condições de vida sadia aos portadores de hemoglobinopatias;
VI – realização de levantamento epidemiológico no território sob sua jurisdição, por meio de rastreamento neonatal, para avaliação da magnitude do problema e plano de ação com as respectivas soluções;
VII – consolidação e manutenção do cadastro de portadores do traço falciforme e hemoglobinopatias
§ 3º Fica o gestor federal do Sistema Único de Saúde autorizado a propiciar, por meio de ações dos seus órgãos:
I – o incentivo à pesquisa, ao ensino e ao aprimoramento científico e terapêutico na área de hemoglobinopatias;
II – a instituição de estudos epidemiológicos para identificar a magnitude do quadro de portadores de traço falciforme e de doença falciforme no território nacional;
III – a sistematização de procedimentos e a implementação de cooperação técnica com estados e municípios para implantação de diagnósticos e assistência integral e multidisciplinar para os portadores de doença falciforme;
IV – a inclusão do exame para diagnóstico precoce da doença falciforme (eletroforese de hemoglobina) na legislação que regulamenta a aplicação do perfil neonatal Tandem em neonatos;
V – o estabelecimento de intercâmbio entre universidades, hospitais, centros de saúde, clínicas e associações de doentes de anemia falciforme visando ao desenvolvimento de pesquisas e instituição de programas de diagnóstico e assistência aos portadores de doenças falciformes;
VI – a garantia do fornecimento de medicamentos e insumos aos portadores de hemoglobinopatias;
VII – ações educativas em todos os níveis do sistema de saúde.

§ 4º O Poder Executivo regulamentará o disposto nos parágrafos deste artigo no prazo de cento e oitenta dias a contar da publicação desta lei.

Art. 16. O Ministério da Saúde, em articulação com as secretarias estaduais, distrital e municipais de saúde, fica autorizado a, no prazo de um ano, implantar o Programa de Agentes Comunitários de Saúde e, em dois anos, o Programa de Saúde da Família, ou programas que lhes venham a suceder, em todas as comunidades de remanescentes de quilombos existentes no País.
Parágrafo único. Os moradores das comunidades de remanescentes de quilombos terão acesso preferencial aos processos seletivos para a constituição das equipes dos Programas referidos no caput.

Art. 17. O quesito raça/cor será obrigatoriamente introduzido e coletado, de acordo com a autoclassificação, em todos os documentos em uso nos sistemas de informação da Seguridade Social.

Art. 18. Dê-se ao art. 54 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a seguinte redação:

“Art. 54. O assento de nascimento deverá conter:
..............................................................................
2) o sexo e a cor do registrando;
....................................................................” (NR)


CAPÍTULO II

Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer

Art. 19. A população afro-brasileira tem direito a participar de atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer, adequadas a seus interesses e condições, garantindo sua contribuição para o patrimônio cultural de sua comunidade e da sociedade brasileira.
§ 1º Os governos federal, estaduais, distrital e municipais devem promover o acesso da população afro-brasileira ao ensino gratuito, às atividades esportivas e de lazer e apoiar a iniciativa de entidades que mantenham espaço para promoção social dos afro-brasileiros.
§ 2º Nas datas comemorativas de caráter cívico, as instituições de ensino convidarão representantes da população afro-brasileira para debater com os estudantes suas vivências relativas ao tema em comemoração.
§ 3º É facultado aos tradicionais mestres de capoeira, reconhecidos pública e formalmente pelo seu trabalho, atuar como instrutores desta arte-esporte nas instituições de ensino públicas e privadas.

Art. 20. Para o perfeito cumprimento do disposto no art. 19 desta lei os governos federal, estaduais, distrital e municipais desenvolverão campanhas educativas, inclusive nas escolas, para que a solidariedade aos membros da população afro-brasileira faça parte da cultura de toda a sociedade.

Art. 21. A disciplina “História Geral da África e do Negro no Brasil” integrará obrigatoriamente o currículo do ensino fundamental e médio, público e privado, cabendo aos estados, aos municípios e às instituições privadas de ensino a responsabilidade de qualificar os professores para o ensino da disciplina.
Parágrafo único. O Ministério da Educação fica autorizado a elaborar o programa para a disciplina, considerando os diversos níveis escolares, a fim de orientar a classe docente e as escolas para as adaptações de currículo que se tornarem necessárias.

Art. 22. Os órgãos federais e estaduais de fomento à pesquisa e à pós-graduação ficam autorizados a criar linhas de pesquisa e programas de estudo voltados para temas referentes às relações raciais e questões pertinentes à população afro-brasileira.

Art. 23. O Ministério da Educação fica autorizado a incentivar as instituições de ensino superior públicas e privadas a:
I – apoiar grupos, núcleos e centros de pesquisa, nos diversos programas de pós-graduação, que desenvolvam temáticas de interesse da população afro-brasileira;
II – incorporar nas matrizes curriculares dos cursos de formação de professores temas que incluam valores respeitantes à pluralidade étnica e cultural da sociedade brasileira;
III – desenvolver programas de extensão universitária destinados a aproximar jovens afro-brasileiros de tecnologias avançadas, assegurado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários;
IV – estabelecer programas de cooperação técnica com as escolas de educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e ensino técnico para a formação docente baseada em princípios de eqüidade, de tolerância e de respeito às diferenças raciais.

Art. 24. O Ministério da Educação fica autorizado a incluir o quesito raça/cor, a ser preenchido de acordo com a autoclassificação, bem como o quesito gênero, em todo instrumento de coleta de dados do censo escolar, para todos os níveis de ensino.


CAPÍTULO III
Do Direito à Liberdade de Consciência e de Crença e ao Livre Exercício dos Cultos Religiosos

Art. 25. O reconhecimento da liberdade de consciência e de crença dos afro-brasileiros e da dignidade dos cultos e religiões de matrizes africanas praticados no Brasil deve orientar a ação do Estado em defesa da liberdade de escolha e de manifestação de filiação religiosa, individual e coletiva, em público ou em ambiente privado.

Art. 26. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício das religiões afro-brasileiras compreende:
I – as práticas litúrgicas e as celebrações comunitárias bem como a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de espaços reservados para tais fins;
II – a celebração de festividades e cerimônias de acordo com os preceitos de religiões afro-brasileiras;
III – a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às religiões afro-brasileiras;
IV – a produção, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas litúrgicas das religiões de matrizes africanas;
V – a produção e a divulgação de publicações relacionadas com o exercício e a difusão das diversas espiritualidades afro-brasileiras;
VI – a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das religiões afro-brasileiras.
VII – o acesso aos órgãos e meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões e denúncia de atitudes e práticas de intolerância religiosa contra estes cultos.

Art. 27. É facultado aos praticantes das religiões de matrizes africanas e afro-indígenas ausentar-se do trabalho para a realização de obrigações litúrgicas próprias de suas religiões, podendo tais ausências ser compensadas posteriormente.

Art. 28. É assegurada a assistência religiosa aos pacientes que são praticantes de religiões de matrizes africanas internados em hospitais.

Art. 29. O Estado adotará as medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente com o objetivo de:
I – coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas;
II – inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos vinculados às religiões de matrizes africanas;
III – assegurar a participação proporcional de representantes das religiões de matrizes africanas, ao lado da representação das demais religiões, em comissões, conselhos e órgãos, bem como em eventos e promoções de caráter religioso.

Art. 30. O Poder Público incentivará e apoiará ações sócio-educacionais realizadas por entidades afro-brasileiras que desenvolvem atividades voltadas para a inclusão social, mediante cooperação técnica, intercâmbios e convênios, entre outros mecanismos.


CAPÍTULO IV
Do Financiamento das Iniciativas
de Promoção da Igualdade Racial


Art. 31. Os planos plurianuais e os orçamentos anuais da União poderão prever recursos para a implementação dos programas de ação afirmativa a que se refere o inciso VII do art. 5º desta Lei e de outras políticas públicas que tenham como objetivo promover a igualdade de oportunidades e a inclusão social da população afro-brasileira, especialmente nas seguintes áreas:
I – promoção da igualdade de oportunidades em educação e emprego;
II – financiamento de pesquisas nas áreas de educação, saúde e emprego, voltadas para a melhoria da qualidade de vida das comunidades, em especial das comunidades afro-brasileiras;
III – incentivo à criação de programas e veículos de comunicação, destinados à divulgação de matérias relacionadas aos interesses da população afro-brasileira;
IV – incentivo à criação e manutenção de microempresas administradas por afro-brasileiros;
V – iniciativas que incrementem o acesso e a permanência dos afro-brasileiros na educação fundamental, média, técnica e superior;
VI – apoio a programas e projetos dos governos estaduais, distrital e municipais e de entidades da sociedade civil voltados para a promoção da igualdade de oportunidades para a população afro-brasileira;
VII – apoio a iniciativas em defesa da cultura, memória e tradições africanas e afro-brasileiras.
§ 1º O Poder Executivo fica autorizado a adotar medidas que garantam, em cada exercício, a transparência na alocação e execução dos recursos necessários ao financiamento das ações previstas neste Estatuto, explicitando, entre outros, a proporção dos recursos orçamentários destinados aos programas de promoção da igualdade racial, especialmente nas áreas de educação, saúde, emprego e renda, desenvolvimento agrário, habitação popular, desenvolvimento regional, cultura, esporte e lazer.

§ 2º Durante os cinco primeiros anos a contar do exercício subseqüente à publicação deste Estatuto, os órgãos do Poder Executivo Federal que desenvolvem políticas e programas nas áreas referidas no § 1º ficam autorizados a garantir em seus orçamentos anuais a participação crescente dos programas de ação afirmativa referidos no inciso VII do art. 4º.


§ 3º O Poder Executivo Federal fica autorizado a adotar as medidas necessárias para a adequada implementação do disposto neste artigo, estabelecendo, inclusive, o patamar a partir do qual cada órgão deverá garantir a participação crescente dos programas de ação afirmativa nos orçamentos anuais a que se refere o § 2º.

Art. 32. Sem prejuízo da destinação de recursos ordinários, poderão ser consignados nos orçamentos fiscal e da seguridade social para financiamento das ações de que trata o art. 31:
I – transferências voluntárias dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;
II – doações voluntárias de particulares;
III – doações de empresas privadas e organizações não-governamentais, nacionais ou internacionais;
IV – doações voluntárias de fundos nacionais ou internacionais;
V – doações de Estados estrangeiros, por meio de convênios, tratados e acordos internacionais.

Art. 33. O Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial poderá pronunciar-se, mediante parecer, sobre a programação das ações referidas no art. 31 nas propostas orçamentárias da União.

Art. 34. Entre os beneficiários das iniciativas de promoção da igualdade racial terão prioridade os que sejam identificados como pretos, negros ou pardos no registro de nascimento e que, de acordo com os critérios que presidem a formulação do Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, se situem abaixo da linha de pobreza.


CAPÍTULO V
Dos Direitos da Mulher Afro-Brasileira

Art. 35. O Poder Público garantirá a plena participação da mulher afro-brasileira como beneficiária deste Estatuto da Igualdade Racial e em particular lhe assegurará:
I – a promoção de pesquisas que tracem o perfil epidemiológico da mulher afro-brasileira a fim de tornar mais eficazes as ações preventivas e curativas;
II – o atendimento em postos de saúde em áreas rurais e quilombolas dotados de aparelhagem para a prevenção do câncer ginecológico e de mama;
III – a atenção às mulheres em situação de violência, garantida a assistência física, psíquica, social e jurídica;
IV – a instituição de política de prevenção e combate ao tráfico de mulheres afro-brasileiras e aos crimes sexuais associados à atividade do turismo;
V – o acesso ao crédito para a pequena produção, nos meios rural e urbano, com ações afirmativas para mulheres afro-brasileiras e indígenas;
VI – a promoção de campanhas de sensibilização contra a marginalização da mulher afro-brasileira no trabalho artístico e cultural.

Art. 36. A Carteira Nacional de Saúde, instituída pela Lei nº 10.516, de 11 de julho de 2002, será emitida pelos hospitais, ambulatórios, centros e postos de saúde da rede pública e deverá possibilitar o registro das principais atividades previstas no Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, especialmente as diretamente relacionadas à saúde da mulher afro-brasileira, conforme regulamento.

Art. 37. O § 3º do art. 1º da Lei nº 10.516, de 11 de julho de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1º ...........................................................................
.......................................................................................
§ 3º Será dada especial relevância à prevenção e controle do câncer ginecológico e de mama e às doenças prevalentes na população feminina afro-brasileira.

Art. 38. O § 1º do art. 1º da Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1º .......................................................................
.................................................................................
§ 1º Para os efeitos desta lei, entende-se por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade racial, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.

CAPÍTULO VI
Do Direito dos Remanescentes das Comunidades dos
Quilombos às suas Terras

Art. 39. O direito à propriedade definitiva das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, assegurado pelo art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, se exerce de acordo com o disposto nesta Lei.
§ 1o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins desta lei, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autodefinição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.
§ 2o Consideram-se terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos toda a terra utilizada para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, bem como as áreas detentoras de recursos ambientais necessários à subsistência da comunidade, à preservação dos seus costumes, tradições, cultura e lazer, englobando os espaços de moradia e, inclusive, os espaços destinados aos cultos religiosos e os sítios que contenham reminiscências históricas dos antigos quilombos.
§ 3o Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental.

Art. 40. Os procedimentos administrativos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro da propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos serão procedidos de acordo com o estabelecido nesta lei, devendo os órgãos competentes priorizar as comunidades dos quilombos expostas a situações de conflito e sujeitas a perderem a posse de suas terras.
Parágrafo único. O processo administrativo terá inicio por requerimento de qualquer interessado, das entidades ou associações representativas de quilombolas ou de ofício pelo INCRA, sendo entendido como simples manifestação da vontade da parte, apresentada por escrito ou reduzida a termo por representante do INCRA, quando o pedido for verbal.

Art. 41. O Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, fica autorizado a proceder à identificação, ao reconhecimento, à delimitação, à demarcação, à desintrusão, à titulação e ao registro das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como a desapropriação por interesse social para fins étnicos.
§ 1? Fica assegurado aos remanescentes das comunidades dos quilombos participar diretamente e indicar representantes e assistentes técnicos para acompanhar todas as fases do procedimento administrativo, podendo o INCRA solicitar a participação de profissionais de notório conhecimento sobre o tema para subsidiar os procedimentos administrativos de identificação e reconhecimento.
§ 2º A identificação dos limites dos territórios das comunidades remanescentes de quilombos, a que se refere o artigo 39, § 2º, será feita a partir de indicações da própria comunidade, bem como a partir de estudos técnicos e científicos, e consistirá na caracterização espacial, econômica e sócio-cultural do território ocupado pela comunidade, mediante Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, com elaboração a cargo do INCRA.
§ 3º Um resumo do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área estudada, será publicado no Diário Oficial da União, no Diário Oficial da unidade federativa e será afixado na sede da prefeitura municipal onde está situado o imóvel.
§ 4º Os interessados terão o prazo de trinta dias, após a publicação, para apresentarem contestações ao Relatório Técnico de Identificação e Delimitação junto ao INCRA, que as fica autorizado a julgá-las e encaminhá-las para decisão final do presidente do INCRA num prazo de sessenta dias.

Art. 42. Fica autorizada a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, a assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir os direitos étnicos e territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos de sua competência legalmente fixada.


Art. 43. Fica autorizado o Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares, a assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como para subsidiar os trabalhos técnicos quando houver contestação ao procedimento de identificação e reconhecimento previsto nesta Lei.

Art. 44. Incidindo os territórios reconhecidos e declarados sobre unidades de conservação constituídas, áreas de segurança nacional e áreas de faixa de fronteira, fica autorizado o INCRA a adotar as medidas cabíveis visando garantir a sustentabilidade dessas comunidades, ouvidos, conforme o caso, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente – IBAMA, ou a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional.

Art. 45. Incidindo os territórios reconhecidos e declarados sobre terrenos de marinha, marginais de rios e ilhas, fica autorizado o INCRA a encaminhar o processo à SPU, para a emissão de título em benefício das comunidades quilombolas.

Art. 46. Constatada a incidência nos territórios reconhecidos e declarados de posse particular sobre áreas de domínio da União, fica autorizado o INCRA a adotar as medidas cabíveis visando à retomada da área.

Art. 47. Incidindo os territórios reconhecidos e declarados sobre terras de propriedade dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, fica autorizado o INCRA a encaminhar os autos para os órgãos responsáveis pela titulação no âmbito de tais entes federados.

Art. 48. Incidindo nos territórios reconhecidos e declarados imóvel com título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, fica autorizado o INCRA a adotar as medidas cabíveis visando a obtenção dos imóveis, mediante a instauração do procedimento de desapropriação previsto no artigo 184 da Constituição Federal.
§ 1º Sendo o imóvel insusceptível à desapropriação prevista no caput, a obtenção dar-se-á com base no procedimento desapropriatório previsto no artigo 216, § 1º, da Constituição Federal, ou, ainda, mediante compra e venda, na forma da legislação pertinente.

§ 2º Desde o início do procedimento, o INCRA fica autorizado a ingressar no imóvel de propriedade particular, mediante comunicação prévia para efeitos de estudos e notificação para efeitos do prazo previsto no § 4º do art. 32.

Art. 49. Verificada a presença de ocupantes não quilombolas nas terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, fica autorizado o INCRA a providenciar o reassentamento, em outras áreas, das famílias de agricultores que preencherem os requisitos da legislação agrária e a indenização das benfeitorias de boa-fé, quando couber.

Art. 50. Em todas as fases do procedimento administrativo, o INCRA fica autorizado a garantir a defesa dos interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos nas questões surgidas em decorrência da titulação das suas terras.

Art. 51. Concluída a demarcação, o INCRA fica autorizado a realizar a titulação mediante outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades, em nome de suas associações legalmente constituídas, sem qualquer ônus financeiro, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade, devidamente registrado no Serviço Registral da Comarca de localização das áreas.
§ 1º Os cartórios de Registros de Imóveis ficam obrigados a proceder o registro dos títulos emitidos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em favor dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal.
§ 2º Estão isentos do pagamento de taxas e emolumentos cartorários de notas e registro, os títulos a que se refere o caput deste artigo.

Art. 52. Após a expedição do título de reconhecimento de domínio, a FCP e as instituições essenciais à função jurisdicional do Estado ficam autorizadas a garantir, em todos os graus, aos remanescentes das comunidades dos quilombos, a defesa da posse contra esbulhos e turbações, a proteção da integridade territorial da área delimitada e a sua utilização por terceiros, podendo firmar convênios com outras entidades ou órgãos que prestem esta assistência.

Art. 53. Os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, encontrados por ocasião do procedimento de identificação, devem ser comunicados ao IPHAN.

Parágrafo único. A FCP fica autorizada a instruir o processo para fins de inventário, registro ou tombamento e zelar pelo acautelamento e preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Art. 54. Para cumprimento do disposto no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal e da presente lei, o governo federal elaborará e desenvolverá políticas públicas especiais voltadas para o desenvolvimento etnosustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos.

Art. 55. Para os fins de política agrícola e agrária, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infra-estrutura.

Art. 56. As disposições contidas neste Capítulo, incidem sobre os procedimentos administrativos de titulação em andamento, em qualquer fase em que se encontrem.

Art. 57. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que ocuparem áreas urbanas, aplicar-se-ão, no que couber, os dispositivos desta lei.

Art. 58. O art. 3º, da Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:

Art. 3º ..........................................................................................
......................................................................................................
“III – as terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, de que trata o art. 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal:
a) quando ocupadas ou tituladas;
b) quando exploradas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, observados seus usos, costumes e tradições.” (NR)

Art. 59. O art. 2º da Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:
Art. 2º ..........................................................................................
......................................................................................................
“IX – as terras de caráter étnico, reconhecidas aos remanescentes das comunidades dos quilombos para fins de titulação de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal.”

Art. 60. Os remanescentes das comunidades dos quilombos poderão se beneficiar das iniciativas previstas nesta Lei para a promoção da igualdade racial.



CAPÍTULO VII
Do Mercado de Trabalho

Art. 61. A implementação de políticas voltadas para a inclusão de afro-brasileiros no mercado de trabalho será de responsabilidade dos governos federal, estaduais, distrital e municipais, observando-se:
I – o instituído neste Estatuto;
II – os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, de 1968;
III – os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção nº 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho, que trata da Discriminação no Emprego e na Profissão;
IV – a Declaração e o Plano de Ação emanados da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas.

Art. 62. Os governos federal, estaduais, distrital e municipais ficam autorizadas a promover ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para os afro-brasileiros, e a realizar contratação preferencial de afro-brasileiros no setor público e a estimular a adoção de medidas similares pelas empresas privadas.
§ 1° A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para os afro-brasileiros.
§ 2° A contratação preferencial na esfera da administração pública far-se-á por meio de normas já estabelecidas ou a serem estabelecidas por atos administrativos.
§ 3° Os governos federal, estaduais, distrital e municipais ficam autorizados a estimular, por meio de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado.
§ 4º As ações de que trata o caput deste artigo assegurarão o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários.

Art. 63. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador fica autorizado a formular políticas, programas e projetos voltados para a inclusão de afro-brasileiros no mercado de trabalho e a destinar recursos próprios para seu financiamento, assegurado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários.

Art. 64. As ações de emprego e renda contemplam o estímulo à promoção de empresários afro-brasileiros por meio de financiamento para a constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e programas de geração de renda.

Art. 65. A implementação de medidas que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para os afro-brasileiros na Administração Pública Federal obedecerá, conforme regulamento, às seguintes diretrizes:
I – para a aquisição de bens e serviços pelo setor público, assim como nas transferências e nos contratos de prestação de serviços técnicos com empresas nacionais e internacionais e organismos internacionais, será exigida, das empresas que se beneficiem de incentivos governamentais ou sejam fornecedoras de bens e serviços, a adoção de programas de promoção de igualdade racial;
II – o preenchimento de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS da administração pública centralizada e descentralizada observará a meta inicial de vinte por cento de afro-brasileiros, que será ampliada gradativamente até lograr a correspondência com a estrutura da distribuição racial nacional ou, quando for o caso, estadual, observados os dados demográficos oficiais.

Art. 66. O § 2º do art. 45 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 45. ..................................................................................
.................................................................................................
§ 2º No caso de empate entre duas ou mais propostas, e após obedecido o disposto no § 2º do art. 3º desta lei, a classificação dará precedência ao licitante que mantiver programa de promoção de igualdade racial em estágio mais avançado de implementação; persistindo o empate, ela será feita, obrigatoriamente, por sorteio, em ato público, para o qual todos os licitantes serão convocados, vedado qualquer outro processo.
......................................................................................” (NR)

Art. 67. A inclusão do quesito cor/raça, a ser coletado de acordo com a autoclassificação, assim como do quesito gênero, será obrigatória em todos os registros administrativos direcionados aos empregadores e aos trabalhadores do setor privado e do setor público, tais como:
I – formulários de admissão e demissão no emprego;
II – formulários de acidente de trabalho;
III – instrumentos administrativos do Sistema Nacional de Emprego, ou órgão que lhe venha a suceder;
IV – Relação Anual de Informações Sociais ou registro que lhe venha a suceder;
V – formulários da Previdência Social;
VI – inquéritos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ou de órgão que lhe venha a suceder.

Art. 68. O caput do art. 3º e o caput do art. 4º da Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 3º Sem prejuízo do prescrito no art. 2º e dos dispositivos legais que tipificam os crimes resultantes de preconceito de etnia, raça ou cor, as infrações do disposto nesta lei são passíveis das seguintes cominações:
.................................................................................................
............................................................................................. (NR)”

“Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:
..............................................................................................
.............................................................................................. (NR)

Art. 69. As empresas contratantes ficam proibidas de exigir, juntamente com o currículo profissional, a fotografia do candidato a emprego.



CAPÍTULO VIII
Do Sistema de Cotas

Art. 70. O Poder Público adotará, na forma de legislação específica e seus regulamentos, medidas destinadas à implementação de ações afirmativas, voltadas a assegurar o preenchimento por afro-brasileiros de quotas mínimas das vagas relativas:
I – aos cursos de graduação em todas as instituições públicas federais de educação superior do território nacional;
II – aos contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES).
§ 1º Na inscrição, o candidato declara enquadrar-se nas regras asseguradas na presente lei.
§ 2º A implementação de ações afirmativas nos estabelecimentos públicos federais de ensino superior poder-se-á fazer mediante a reserva de percentual de vagas destinadas a alunos egressos do ensino público de nível médio na proporção mínima de autodeclarados afro-brasileiros da unidade da Federação onde estiver instalada a instituição.
§ 3º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir, no âmbito de suas competências legislativas, normas para a adoção de políticas afirmativas referentes ao preenchimento de cargos e empregos públicos, ao acesso às instituições públicas estaduais, distritais e municipais, de educação superior, quando houver, e ao financiamento ao estudante do ensino superior.
§ 4º A União poderá levar em consideração, dentre outros critérios, para fins da avaliação de que trata o art. 46 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a existência de programas de ações afirmativas para ingresso e permanência de afro-brasileiros nas instituições de ensino superior públicas ou privadas.
§ 5º Nas cotas de que trata o caput, fica assegurado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários, ressalvados os casos em que tal proporcionalidade não se aplique.

Art. 71. Acrescente-se ao art. 10 da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, o § 3º-A, com a seguinte redação:
"Art. 10. .....................................................................
§ 3º-A. Do número de vagas resultante das regras previstas no §3º deste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento para candidaturas de afro-brasileiros.
............................................................................... (NR)"

Art. 72. Leis específicas, federais, estaduais, distritais ou municipais, poderão disciplinar a concessão de incentivos fiscais às empresas com mais de vinte empregados que mantenham uma cota de, no mínimo, vinte por cento para trabalhadores afro-brasileiros.



CAPÍTULO IX
Dos Meios de Comunicação

Art. 73. A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação dos afro-brasileiros na história do País.

Art. 74. Os filmes e programas veiculados pelas emissoras de televisão deverão apresentar imagens de pessoas afro-brasileiras em proporção não inferior a vinte por cento do número total de atores e figurantes.
§ 1º Para a determinação da proporção de que trata este artigo será considerada a totalidade dos programas veiculados entre a abertura e o encerramento da programação diária.
§ 2º Da proporção de atores e figurantes de que trata o caput, metade será composta de mulheres afro-brasileiras.

Art. 75. As peças publicitárias destinadas à veiculação nas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, quando contiverem imagens de pessoas, deverão garantir a participação de afro-brasileiros em proporção não inferior a vinte por cento do número total de atores e figurantes.

Art. 76. Os órgãos e entidades da administração pública direta, autárquica ou fundacional, as empresas públicas e as sociedades de economia mista ficam autorizados a incluir cláusulas de participação de artistas afro-brasileiros, em proporção não inferior a vinte por cento do número total de artistas e figurantes, nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário.
§ 1º Os órgãos e entidades de que trata este artigo ficam autorizados a incluir, nas especificações para contratação de serviços de consultoria, conceituação, produção e realização de filmes, programas ou peças publicitárias, a obrigatoriedade da prática de iguais oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço contratado.
§ 2º Entende-se por prática de iguais oportunidades de emprego o conjunto de medidas sistemáticas executadas com a finalidade de garantir a diversidade de raça, sexo e idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço contratado.
§ 3º A autoridade contratante poderá, se considerar necessário para garantir a prática de iguais oportunidades de emprego, requerer auditoria e expedição de certificado por órgão do Poder Público.

Art. 77. A desobediência às disposições desta lei constitui infração sujeita à pena de multa e prestação de serviço à comunidade, através de atividades de promoção da igualdade racial.


CAPÍTULO X
Das Ouvidorias Permanentes nas Casas Legislativas

Art. 78. O Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas estaduais, a Câmara Legislativa do Distrito Federal e as Câmaras Municipais ficam autorizados a instituir Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial, como órgãos pluripartidários, para receber e investigar denúncias de preconceito e discriminação com base em etnia, raça ou cor e acompanhar a implementação de medidas para a promoção da igualdade racial.
Parágrafo único. Cada Casa Legislativa organizará sua Ouvidoria Permanente em Defesa da Igualdade Racial na forma prevista pelo seu Regimento Interno.


CAPÍTULO XI
Do Acesso à Justiça

Art. 79. É garantido às vítimas de discriminação racial o acesso gratuito à Ouvidoria Permanente do Congresso Nacional, à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário em todas as suas instâncias, para a garantia do cumprimento de seus direitos.

Art. 80. O Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial fica autorizado a constituir Grupo de Trabalho para a elaboração de Programa Especial de Acesso à Justiça para a população afro-brasileira.
§ 1º O Grupo de Trabalho contará com a participação de estudiosos do funcionamento do Poder Judiciário e de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, de associações de magistrados, de associações do Ministério Público e de associações da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos humanos, conforme determinações do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial.
§ 2º O Programa Especial de Acesso à Justiça para a população afro-brasileira, entre outras medidas, contemplará:
I – a inclusão da temática da discriminação racial e desigualdades raciais no processo de formação profissional das carreiras policiais federal, civil e militar, jurídicas da Magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública;
II – a adoção de estruturas institucionais adequadas à operacionalização das propostas e medidas nele previstas.
§ 3º. O Poder Judiciário, por meio de seus tribunais, em todos os níveis da federação, fica autorizado a criar varas especializadas para o julgamento das demandas criminais e cíveis originadas de legislação antidiscriminatória e de promoção da igualdade racial.
§ 4º O Poder Executivo, em todos os níveis da Federação, fica autorizado a criar delegacias de polícia para a apuração das demandas criminais e cíveis originadas da legislação antidiscriminatória e de promoção da igualdade racial.

Art. 81. Para a apreciação judicial das lesões e ameaças de lesão aos interesses da população afro-brasileira decorrentes de situações de desigualdade racial, recorrer-se-á à ação civil pública, disciplinada na Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985.
§ 1º Nas ações referidas neste artigo prevalecerão:
I – o critério de responsabilidade objetiva;
II – a inversão do ônus da prova, cabendo aos acionados provar a adoção de procedimentos e práticas que asseguram o tratamento isonômico sob o enfoque racial.
§ 2º As condenações pecuniárias e multas decorrentes das ações tratadas neste artigo serão destinadas ao Fundo de Promoção da Igualdade Racial.



TÍTULO III
Das Disposições Finais

Art. 82. Caso da aplicação dos percentuais do sistema de cotas previstos nesta Lei resultar número fracionário serão observados os seguintes critérios:
I – se a parte fracionária for inferior a um meio, será desprezada;
II – se a parte fracionária for igual ou superior a um meio, será adotado o número inteiro imediatamente superior.

Art. 83. As medidas instituídas nesta lei não excluem outras em prol da população afro-brasileira que tenham sido ou venham a ser adotadas no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios.

Art. 84. O Poder Público criará instrumentos para aferir a eficácia social das medidas previstas nesta lei e efetuará seu monitoramento constante, com a emissão de relatórios periódicos.

Art. 85. Esta lei entra em vigor após decorridos noventa dias de sua publicação oficial.

Sala das Sessões,


Presidente


Relator


Nota de Apoio do Mndh-PE à Marcha Zumbi +10

As entidades filiadas e parceiras do Movimento Nacional de Direitos Humanos – Articulação Pernambuco – vêm a público manifestar apoio à Marcha Zumbi+10, 16 de novembro, organizada pelo movimento social negro como processo de luta para a implementação de um plano político de igualdade racial no Brasil.

Por acreditarmos que os direitos humanos serão efetivados apenas com a igualdade social, racial, étnica e de gênero, desconstruindo ainda as intolerâncias em relação a origem, procedência nacional, orientação sexual e discriminações correlatas, manifestamos adesão à Marcha Zumbi+10 em 16 de novembro de 2005 por esta representar a mobilização social autônoma impulsionada pelo movimento negro, orientado pela coerência em relação ao processo histórico de resistência enquanto segmento social de identidade e constituído em sujeito político independente e organizado através de lideranças negras e de militantes por todo o país.

Compreendemos que a luta por uma sociedade radicalmente democrática passa necessariamente pelo combate ao racismo, às desigualdades de gênero e à concentração econômica, tendo em vista uma profunda reestruturação das relações civis, políticas, socioeconômicas e culturais para a justiça social, apenas possível mediante a igualdade de fato e a promoção dos direitos humanos. Um projeto de país igualitário deve considerar como eixos estruturantes de tais relações a dimensão racial articulada à de gênero, dado que as desigualdades no Brasil e as distinções no tocante ao acesso a direitos deram-se fundamentalmente por critérios que definiram como segmentos sociais oprimidos mais vulneráveis as populações negra e indígena, com especificidade às mulheres, constituindo uma cultura política racista, etnocêntrica, sexista e patrimonialista que orienta nossas instituições públicas.

A defesa de uma nova sociedade e um novo Estado requer, portanto, a erradicação das formas institucionalizadas de discriminação racial e segregação que excluíram o povo negro e o colocam ainda hoje como uma minoria social, apesar de representar metade da população brasileira. Destituídas da terra, da moradia adequada, da educação e da saúde pública de qualidade, da vida digna e ainda ameaçadas em sua integridade física e psicológica, as pessoas negras não podem exercitar a plena cidadania nem serem de fato participantes ativas dos arranjos institucionais que fantasiam um arremedo de democracia; as Ações Afirmativas, muito além de ações pontuais e isoladas, devem significar, sobretudo, o reconhecimento desta população que representa a base formadora do país e que, apesar disto, está invisibilizada nos meios de exercício e gozo de direitos, nas instâncias de participação social e completamente excluída dos locais de poder. Apenas tal reconhecimento efetivará a verdadeira cidadania do povo negro enquanto sujeito ativo para uma democracia radical.

Pela emancipação do povo negro na constituição de uma sociedade livre e igualitária, marcharemos juntas/os, em memória de Zumbi, contra o racismo e pela vida!

ARTICULAÇÃO ESTADUAL DO MNDH - PERNAMBUCO
Centro de Cultura Luís Freire - CCLF
Comissão Pastoral da Terra - CPT/PE
Dignitatis
Gestos
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares/PE
Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões - SEMPRI
Sinos
Observatório Negro

11.09.2005

Pelas reparações

Fátima Oliveira

Semana passada encerrei o meu artigo, “Faxina ética”, bradando: “Marchar no dia 16 é a recusa, peremptória, em ceder o nosso lugar para brancos racistas no trem da história do Brasil sem racismo”.

Lutamos para que o hoje seja mais cidadão e o amanhã radiante para a nossa gente. Eis o significado da Marcha Zumbi +10 – que nem a contramarcha, que está no horizonte e se diz no campo das reparações (nem tanto, nem tanto...), anuviará, como me relembrou um amigo dileto, conselheiro-estrategista-confidente da Marcha: “Enfim, como dizia o velho Brecht, em matéria de companheiros de estrada, a gente encontra de tudo”.

Mas, continua o meu amigo, tentando grudar nossos pés na terra: “E o toque de utopia é flagrante: que a Marcha autonomize a relação entre movimento e partidos e outras instituições. Enfim, um velho crítico da Economia Política, ao qual somos todos tanto devedores, dizia que o outro lado da sociedade civil era o Estado, e que a sociedade civil é que explicava o Estado, não o inverso. Com isso, a gente sempre pode entender que a autonomia completa é utópica, enquanto houver Estado, e isso valerá então por alguns milhares de anos, se a espécie e a forma estatal sobreviverem. Ou seja, a marcha ou Marcha até que poderá contribuir para esclarecer certos temas e vínculos, mas que daí ela possa assegurar autonomia, ah, quanta distância entre intenção, gesto e resultados”.

A reta final preparatória da Marcha tem, coincidentemente, se forjado como momentos de absoluto estado de paixão, graças ao reencontro de amores enlouquecidos perdidos no tempo, tornando pessoas entrando no outono da vida adolescentes desvairados, em busca do tempo perdido, ardendo em de-li-CIO-sa paixão...

Meu amigo não se conteve: “Fátima, então tá tudo certo. Como sorte não faltará, e os da Marcha têm tudo o que o Maquiavel chamava de virtude – bem diferente, essa virtú, das teologais da Santa Madre –, quando fortuna e virtú se unem, nem o diabo nem Deus aguentam... E como, pelos motivos expostos por vossenhoria, com apoio em Garcia Marquez, que do assunto entende, até namorado dos 15 anos irá à Marcha, malandramente e muito compreensivelmente calculando que a Longa Marcha pode levar a uma Larga Cama, a despeito do horror das filhas, o que vale é o prazer da mãe! Então, todo o melhor na melhor das marchas possíveis, para lembrar Voltaire, Candide e Pangloss. E que, marcha terminada, o que já estava no melhor consiga, milagrosamente, subir alguns patamares mais na escala dos prazeres”... Sim, amigo, eu sei que o seu coração estará presente no dia 16.

S. Paulo se mobiliza para o 16/11

Por: Redação - Fonte: Afropress - 09/11/2005

S. Paulo – Militantes e ativistas negros da capital e do interior intensificaram a mobilização para a Marcha Zumbi + 10, que acontece na quarta-feira, dia 16/11, em Brasília, e que deverá reunir milhares de negros e negras de todo o País, em frente ao Palácio do Planalto, para a entrega de um documento com reivindicações ao Presidente da República e aos líderes do Congresso.

Só da capital, a primeira avaliação indica 50 ônibus, sendo que destes, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e o Conselho da Comunidade Negra do Estado, se responsabilizarão por pelo menos 20. Do ABC já estão certos pelo menos seis ônibus, um dos quais sob a coordenação da ONG ABC sem Racismo, graças a uma parceria firmada com a presidente do Conselho da Comunidade Negra do Estado, Elisa Lucas Rodrigues.

Em Mauá, o coordenador de Promoção da Igualdade Racial, Aparecido Anthony também começou a convocar os ativistas para a Marcha.

Na Baixada Santista, a presidente da Casa de Cultura da Mulher Negra e editora da Revista Eparrei, Alzira Rufino, promove neste sábado, dia 12/11, uma churrascada para arrecadar fundos para o frete de ônibus. "Pelo menos um temos garantido", afirmou Alzira.

Segundo a principal liderança das mulheres negras da Baixada, a expectativa é positiva em relação ao resultado da mobilização do dia 16, porque além das caravanas que estão sendo formadas, haverá a presença forte dos ativistas e militantes negros de Goiás e das cidades do entorno do Distrito Federal.

Ainda não se tem uma avaliação da mobilização no interior, porém, já é certo que caravanas partirão de Araras, Barretos e Ribeirão Preto, cidades consideradas com maior nível de mobiização para a Marcha.

Segundo avaliação de lideranças de entidades que participam de uma coordenação nacional da Marcha, a perspectiva é de que partam caravanas de todos os Estados brasileiros. Na Bahia, por exemplo, organizações como Olodum, sob a liderança de João Jorge, e o Yle Ayé, comandado por Vovô, já confirmaram a presença em Brasília no dia 16.

Do Maranhão, de São Luis e cidades do interior, partirão cinco ônibus com quilombolas, ativistas da juventude e sacerdotes de religiões de matriz africana. Dirigentes da organização Cidadania e Consciência Negra (CCN) já confirmaram a presença de pelo menos 206 pessoas ativistas do Estado.

A Marcha Zumbi + 10 pela Cidadania e pela Vida acontece 10 anos depois da primeira manifestação de massa da população negra que marchou sobre Brasília, em 1.995, para exigir reparação e políticas públicas do Estado brasileiro.

Organizações como a Unegro, Conen, MNU e sindicalistas vinculados a Central Única dos Trabalhadores, mais próximos à base de apoio ao Governo Lula, marcaram outra data para a Marcha. A deles será dia 22/11 e conta com apoio do Partido dos Trabalhadores, que, por decisão do Diretório Nacional, orientou seus diretórios, parlamentares, dirigentes e governos estaduais e municipais a “contribuírem”, com a manifestação.

11.07.2005

Nas ondas da Internet

Já estão online pronto para serem baixados ou ouvidos na própria página os programas de
rádio e spots sobre a Marcha Zumbi + 10.

O endereço para o acesso é http://radiomarcha.rg3.net/