Marcha Zumbi +10

Espaço para divulgação da Marcha Zumbi +10, que ocorrerá no dia 16 de novembro de 2005, junto aos meios de comunicação, militância, mundo acadêmico entre outros.

9.30.2005

Marcha Zumbi + 10 - Entrevista ao Afropress

Rio – O jornalista Marcio Alexandre Martins Gualberto, editor da Revista Afirma e ativista do Movimento Negro do Rio, diz que não há como justificar duas Marchas, chama o Governo Lula de “burocrático e sem imaginação” e declara: “a pauta do movimento negro é revolucionária”. Veja a entrevista na íntegra.


Afropress- Como você vê a dificuldade dos setores do Movimento, agora divididos em duas Marchas (16 e 22/11)? Essa dificuldade não sinaliza para o racismo e os racistas da nossa incapacidade de nos unir até mesmo em torno de questões que a prudência e a sensatez recomendariam, quando nada para mostrar a nossa força unida e não dividida?

Marcio Alexandre - Vejo duas questões aí. A primeira é que o objetivo fundamental da Marcha deveria exatamente mostrar a força do Movimento Negro e seu poder de mobilização. Isso não ocorrendo, ou seja, partindo-se para duas marchas já partimos de uma lógica fracassada que, por mais que se argumente, não há como se justificar.

A segunda questão é que damos aos nossos adversários o argumento que eles precisam para se contraporem às políticas afirmativas. Se não mostramos unidade eles serão os primeiros a dizer que somos desunidos e não sabemos o que queremos. Ou seja, parodiando o velho Brizola quando dizia que o PT é a esquerda que a direita gosta, eu diria que há setores do Movimento Negro que os racistas adoram.


Afropress - Sei da tua posição em defesa do 16/11. Por que e como estão as articulações no Rio?

Marcio Alexandre - Eu não tenho posição fechada. Tenho proximidade política com Fátima, Sueli, Alzira e tantas e tantos que estão se posicionando a favor do dia 16. No entanto acho que além do 16 ou 23 deveria se buscar um consenso. Alguém precisa ceder para que o processo avance. É assim que se faz política, casamento e relações interpessoais. No entanto tem certos luminares, ou assim autodenominados, que não arredam pé das suas posições e geram um impasse.

Quanto à mobilização no Rio têm ocorrido reuniões, algumas discussões estão sendo feitas e de algumas conversas tenho participado. Como coordeno uma instituição de comunicação assisto às discussões mantendo certa distância.

Afropress- Como vê a acusação feita aos setores que defendem o 22/11 de estarem próximos à base do Governo e Partidos da base?

Marcio Alexandre - Acho bobagem tanto a afirmação de que estes setores são chapa-branca quanto a outra que diz que os apoiadores do dia 16 são os financiados pelos americanos. A quem interessa esse tipo de acusação de um lado e de outro? Todos nós, de uma forma ou outra mantemos relações com este e qualquer outro governo e o mesmo se dá com as agências financiadoras.

Vejo este tipo de colocação extremamente artificial visando, exatamente, justificar o injustificável que é a nossa incapacidade de marcharmos unidos rumo a Brasília.

Há tanto no campo dos defensores do 16, quanto no campo do dia 22, valorosas organizações e companheiros e companheiras de décadas de caminhada. Não podemos nos deixar envolver por um certo artificialismo que nos impele à divisão.

Afropress - Que propostas hoje devem ser levantadas pelo Movimento Negro capazes de nos unificar nacionalmente?

Marcio Alexandre - Acredito que a pauta do Movimento Negro é revolucionária. A inclusão do negro nas esferas de poder, no mercado de trabalho qualificado, no mundo acadêmico e tantos outros espaços muda completamente o status quo. Por isso somos temidos. Nós chacoalhamos a sociedade.

Veja o exemplo do negro ou negra bem-sucedido que chega num restaurante de luxo. Todos que ali estão buscarão explicações para explicar a presença daquela pessoa naquele lugar. Isso acontece porque aquela pessoa negra está fora do seu lugar, ou seja, fora do lugar que a sociedade racista estabeleceu para ela. O mesmo se dá quando ampliamos nossa ação política para buscar maior inserção na sociedade. Portanto é uma pauta revolucionária.

Não é à toa que a divisão interessa aos setores racistas. Afinal, se nos unirmos, e nos transformamos num movimento de massa (o que para mim deve ser o salto imediato do MN brasileiro), nós mudamos o país. E isso não interessa nem à esquerda e nem à direita.

Três questões precisamos tratar com carinho neste momento: o Estatuto da Igualdade Racial com o Fundo (porque sem ele o estatuto é apenas um amontoado de boas intenções); as ações afirmativas, ampliando-se aí a concepção de cotas e seus desdobramentos; e uma discussão mais aprofundada sobre o conceito de reparações e as implicações que isto traz.

Afropress - Qual a sua expectativa em relação a Marcha ou Marchas que acontecerão em Novembro?

Marcio Alexandre - Minha primeira expectativa é que os "líderes" (por sinal, ô movimento pra ter líder é esse nosso!) em primeiro lugar liderem mesmo e resolvam seus impasses pessoais, políticos, psicológicos, sexuais ou sei lá o quê e se unam numa marcha só.

Com relação ao evento em si espero que os jovens façam a diferença. Se uma marcha ou duas conseguirem levar os jovens do hip hop, do funk, das universidades, das escolas a marcha ou marchas já terão logrado êxito. É fundamental que uma nova geração surja, inclusive para substituir certas lideranças que já criaram vícios e precisam ser substituídas para oxigenar o movimento.

Afropress - Qual a análise que você faz do Governo e o que a população negra deve e pode esperar ainda deste Governo?

Marcio Alexandre - Acho este um governo triste, burocrático e sem imaginação. Um governo que foi eleito sob a égide da mudança e da ética na política mostra seu fracasso quando tem que liberar recursos para eleger um aliado seu à presidência da Câmara dos Deputados. Ou seja, o governo capitulou ao seu inimigo e tornou-se pior que ele. Nada mudou, nem a forma de fazer política. E o pior é que o cenário é tão ruim que não se vê alternativa melhor ao que aí está. Portanto, não se tem, pelos próximos 20 anos, a perspectiva de mudança substancial no cenário político e econômico do país.

Nesse contexto resta à população negra as migalhas de sempre e cabe cada vez mais sua mobilização e a conquista dessa massa para o que chamo de pauta revolucionária do Movimento Negro. E não estou usando a palavra revolução à toa. Acho que temos que resgatar essa palavra, seu valor e construir um processo revolucionário com as ferramentas que temos hoje à mão, principalmente a comunicação e o conhecimento que temos das mazelas do nosso povo.

Afropress - Como vê o papel da Seppir e da Ministra Matilde?

Marcio Alexandre - Não vejo! Sou daqueles que apoiei e apóio a criação da Seppir e seu status ministerial. Se algum branco vier falar mal da Seppir pra mim eu brigo. Mas entre nós podemos colocar algumas questões. A primeira é que acho a atuação da Seppir tímida. E compreendo isso quando vejo que não é uma secretaria fim, mas meio para que outros setores do governo possam balizar suas ações.

Mas acho que a Seppir tinha que sair um pouco mais pra sociedade e dizer alguma coisa. Não consigo compreender que a Seppir não aja como um mobilizador do próprio Movimento Negro. Hoje é premente um olhar mais acurado sobre o que tramita nas casas legislativas do país. Mas não temos esse acompanhamento e nem a Seppir se propõe a ser essa ponte.

Não posso avaliar a ação pessoal da ministra primeiro porque não a conheço, segundo porque seria indelicado de minha parte. Mas posso dizer que no geral, passado o deslumbramento inicial que estar num espaço como este se cria, é fundamental alavancar algumas ações. E aí francamente, eu gostaria de ler mais textos da ministra e de seus assessores, gostaria de ver mais entrevistas dela. Gostaria de vê-los participando de seminários e eventos com uma fala parecida com a nossa e não aquelas fala protocolares que o povo parece que faz curso quando entram no governo.

Afropress- Como nós comunicadores negros podemos fazer a avançar a articulação iniciada no início do ano para fortalecer a mídia étnica?

Marcio Alexandre - Precisamos conversar mais, sem dúvida alguma. Isso nos falta. Eu sempre disse que não podíamos ficar reféns dos chamados da Seppir para reuniões, que nós precisávamos nos mobilizar mais. Falhamos nisso. Precisamos recuperar o tempo perdido e criar uma articulação forte de comunicadores negros. Eu vejo algumas ações neste campo mas são incipientes ou não têm o verniz político que penso que deveríamos ter. O fato de sermos comunicadores não implica em fugirmos a tomada de posição. Pelo contrário, exatamente pelo fato de sermos comunicadores, mas antes de tudo por sermos negros, temos que ter a coragem "revolucionária" (volto a frisar) de fazer avançar a luta política do MN.

Fonte: Afropress - Agência Afro-Étnica de Notícias