Marcha Zumbi +10

Espaço para divulgação da Marcha Zumbi +10, que ocorrerá no dia 16 de novembro de 2005, junto aos meios de comunicação, militância, mundo acadêmico entre outros.

11.03.2005

Entrevista - Humberto Adami

Humberto Adami, presidente do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara), do Rio de Janeiro, tem se destacado como advogado atuante na defesa dos direitos dos negros brasileiros. Juntamente com um conjunto de organizações, Adami, impetrou ação junto ao Supremo Tribunal Federal favorável à política de cotas nas universidades. Crítico do Governo Federal, Humberto Adami vem pautando suas falas na denúncia de um "aparelhamento do Estado por parte do PT", denúncia esta que torna-se visível com o apoio declarado do diretório do PT à Marcha do dia 22 de novembro.


1) Adami, qual sua posição com relação à Marcha do dia 16 e a do dia 22?


Na foto do primeiro Jornal Irohin, há o retrato da primeira reunião sobre o assunto.

Fui convidado a fazer uma exposição sobre os caminhos jurídicos pelo qual enveredara no âmbito da ação afirmativa, e que estavam ainda em elaboração. Na época, só se falava na MARCHA.

Não havia essa idéia da CONTRA MARCHA, do dia 22.

Tempos depois soube que, gestada na Seppir, era uma tentativa de dividir o Movimento Negro, porque se temia que a Marcha, com 200 mil negros e negras, se tornasse uma passeata de protesto contra o Governo Federal, e contra o racismo.

Achei este raciocínio muito canhestro, porque mau ou bem, o Governo Federal, ou mesmo o Governo Lula, não poderia ser responsabilizado pelo racismo existente no País.

Assim acho que de uma idéia completamente estabanada, e por todos os pontos de vista históricos, desastrada, de onde nasceu essa divisão sabe-se lá para que.

Mas, no fundo, isto tem constituído uma forma deliberada de funcionar.

Veja por exemplo a Marcha da UNE.

Teve a UNE SEM dinheiro público que marchou numa segunda feira, e a UNE COM dinheiro, que recebeu quase um milhão de reais, como foi noticiado na imprensa, e que marchou numa quarta.

Acho que a política de “retirar uma unha encravada”, praticada por Delúbio Soares, andou fazendo escola nas diversas alas petistas, em especial as que estão encasteladas no Governo Federal.

2) Você acha que esta divisão surge agora por contadas marchas ou ela já era latente dentro do Movimento Negro?

Não sei dizer se era uma divisão latente no Movimento Negro, mas acredito que está mais para TER SIDO INDUZIDA no Movimento Negro.

É notória uma certa autofagia no MN, uma briga tamanha que não se sabe exatamente porque, pois há tanto a fazer, que, com toda certeza, há muito espaço para todos.

No entanto, as pessoas brigam, disputam, dão pernadas, sabe-se lá exatamente porque.

Não haveria necessidade disso.

Digo isso com a tranqüilidade de quem montou o evento paralelo e o oficial da Conferência Nacional do Conselho Federal da OAB, no ano de 99, que jamais havia tratado do tema.

Lembro-me depois de ter tido a idéia, fui ao Presidente da Comissão de Temática, com companheiros do MN, e conseguimos o espaço.

Havia lugar suficiente para todos e, no entanto o que se seguiu foi um verdadeiro fratricídio, que colocou o evento sob risco várias vezes, e por obvio, apanhei muito e tive muito trabalho.

Enorme o prejuízo pessoal.

As pessoas não se incomodavam em perder o evento.

O que elas não queriam era que não desse certo, ainda que elas também estivessem participando, apenas porque, não tinha a sua autoria a iniciativa.

Nesse caso da MARCHA E DA CONTRA-MARCHA, há uma inequívoca aplicação dos Princípios de MAQUIÁVEL: DIVIDIR PARA GOVERNAR.

O equívoco é isso ter saído de uma área que muitos dizem ter sido fruto de trabalho de muitas gerações, e do próprio Movimento Negro, como ouço dizer todo dia, para pregar a divisão e a desunião.

Essas pessoas que estão a praticar este tipo de política, esquecem-se que sairão de seus cargos muito em breve, e que não há discriminação contra negros e negras que não são do PT, PSDB, PFL, PSTU, PSOL, etc.

Há discriminação racial contra negros e negras no Brasil.

Portanto, ainda que estejam sendo tratados por “V. Excia.” , momentaneamente, logo deixarão tal situação, e passarão a sofrer dos mesmos males que sofrem os comuns, os que estão na rua, os que estão nas favelas, os que não tem padrinhos políticos.

Nem donos.

3) A Marcha do dia 16 está partidarizada pela direita, como citam algumas pessoas?

Isto é um engodo, pois nem sei se há mais direita e esquerda, neste País. Quando vemos a política econômica do PSDB praticada alegremente pelo LULA DO PT, ficamos a perguntar: quem é direita, quem é esquerda?

A direita sempre se notabilizou por ter recursos, por ter partidos políticos, por ter voz de comando que não precisava do povo como componente.

Este, quando aparecia, era apenar para dar o ar da graça como “curral eleitoral”. Morei 23 anos em Brasília, e 03 no interior da Bahia, e vi muito disso Brasil afora.

Estou desde 86 no Rio de Janeiro, onde nasci.

Hoje não é isso que acontece.

Pelo que sei não há qualquer dinheiro na organização da Marcha.

O que vi é essa decisão do Partido do “finalmente expulso” Delúbio; do “duro de cassar e não sabia de nada, Zé “Mandado de Segurança no STF” Dirceu; e também de um monte de gente séria Brasil afora, mandando “contribuir com a mobilização” da marcha do dia 22, referindo-se à CONTRA MARCHA.

Ora em tempos das não esquecidas “malas voadoras da Igreja Universal”, bem como das “cuecas endinheiradas de dólar sem dono”, isto, digamos, não é uma boa medida.


4) Como você vê o pós-Marchas? Ou seja, este processo todo tem sido doloroso e traumático. Como ficará o Movimento Negro após isso tudo?

Acho que, como dizem os mais antigos, para todos os males há cura.

Menos para a morte. Alguns divergem.

Aqueles que estão achando que só exercendo carguinhos em Brasília virarão Deputados Federais, Estaduais, Vereadores, estão muito enganados.

Vão trair, trair e morrer na praia.

Um certo político aqui no Rio de Janeiro, disse, tempos atrás, que um outro partido era o “Partido da Boquinha”.

Isto é injusto e está errado para com muitas pessoas de bem que militam no tal Partido, mas esta decisão do Diretório Nacional do PT, deixa expostos muitos de seus membros porque incita Governos Estaduais e Municipais a “contribuir” com a Marcha dia 22.

E o Federal?

Já está implícito ou é o autor da ação.

O Pós Marcha vai continuar com a luta de muito tempo.

Essas criaturas terão seu retorno garantido.

Esperaremos.

Recebi de uma dessas almas penadas da Internet, uma mensagem dizendo que meu desacordo era: 1) porque um cunhado meu era para ter sido escolhido Ministro, o qual nunca soube que sequer tinha sido candidato; 2)que minha insatisfação era porque não tinha apoio oficial da Seppir, para o que, este sindicalista do Rio Grande do Sul, que tem a Síndrome de Peter Pan (ou seja, nunca cresce), chamava de “minhas iniciativas pessoais”.

Pus-me a pensar.

Represento hoje 23 instituições do Movimento Negro e fora dele, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em advocacia pro bono e absolutamente gratuita, no AMICUS CURIAE, o amigo da corte, em prol dos cotistas da UERJ.

Muitos dos valorosos companheiros partidários ficaram emudecidos quando o pau quebrou em cima dos cotistas.

Da mesma forma, a FENADV – FEDERAÇÃO NACIONAL DE ADVOGADOS, constituída de 27 Sindicatos de Advogados de todo o país, representou ao Ministério Publico do Trabalho para apuração da desigualdade racial no mercado de trabalho.

O resultado é que 05 bancos privados estão sendo processados em todo o País, numa situação inédita que este Programa de Combate á Discriminação Racial no Mercado de Trabalho, do Ministério Público do Trabalho está a promover, e que esta só começando.

Há material em www.adami.adv.br , como fotos.

O setor oficial do Governo persiste em olhar e não apoiar. Daqui há pouco vão dizer que foram eles que estão a frente do MPT.

Da mesma forma, oito entidades de Movimento Negro, e mais dois Mandatos Parlamentares, inclusive do PT – RJ, impetraram REPRESENTAÇÃO AO MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL, E DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, para apuração da não implementação da Lei 10.639, a Lei de História da África e Cultura Afro Brasileira, que já resultou em 93 inquéritos civis públicos, pelo que se sabe, e a intimação de todas as diretoras de escolar públicas e privadas. Os currículos estão sendo encaminhados ao IARA- Instituto da Advocacia Racial e Ambiental, aqui no Rio de Janeiro.

Da mesma, com 09 outras instituições do MN, ingressamos com Hábeas Corpus em favor de clandestinos africanos encarcerados, como em outros estados. Bastaram “trinta moedas” para que muitos deixassem o assunto de lado.

Não esqueçamos que mandamos para a Academia, a propositura do PREMIO NOBEL DA PAZ para ABDIAS NASCIMENTO.

Isto foi acompanhado por todos os setores do MN, inclusive a retardatária Seppir.

Então, como estamos a praticar “iniciativas individuais”.

Isto rigorosamente, não é verdade e fica mais dentro dos “fuxicos” do que estamos chamando de “industria da seca” da ação afirmativa e do combate à discriminação racial. É como na seca do nordeste onde o dinheiro seguia para matar a sede dos nordestinos pobres, e ficava no meio do caminho. Agora temos a figura do “pelego racial”.

5) Com o apoio do Diretório Nacional do PT e sua recomendação que todas as instâncias partidárias contribuam co m a Marcha do dia 22 você tem dito da necessidade de o Ministério Público estar acompanhando isso, por que?

Acho que o partido político deveria apoiar a idéia, o conceito, a luta.


Se dissesse que apoiaria a MARCHA ZUMBI + 10, ninguém podia dizer nada. Mas ao mandar contribuir com a Marcha do dia 22 é o mesmo que mandar a conta da passagem dos colegas do filho de Lula nas férias da Granja do Torto. Não acho certo, não concordo e dá ensejo a um monte de medidas em período pré-eleitoral. Pessoalmente, estou disposto a oficiar a todos os órgãos do Ministério Público do País, e aos Presidentes de Tribunais Regionais Eleitorais, remetendo cópia da resolução e pedindo abertura de investigação.

Não se trata de uso de financiamento “ do que temos direito em vista do nosso passado como população negra e que o Estado tem de financiar mesmo”, como alguns inocentes úteis escalados para o trabalho de tropa de choque da Seppir” tem sido encorajados a papagaiar Brasil afora.

Trata-se de utilização da “res publica” em caráter privado.

Simplesmente. Se querem financiar, ou “contribuir” com “recursos contabilizados ou não”, que contribuam para todos.

E ainda assim poderia ter gente discordando. O que esse pessoal não enxerga é a perspectiva histórica. Quem se lembra dos ocupantes de cargos DAS que sabotaram ABDIAS na situação de SITIADO EM LAGOS? Por óbvio que essas atitudes menores, mesquinhas, dão de retorno exatamente o mesmo o mesmo tipo situação propõe.


6) Nos últimos meses temos visto uma série de escândalos envolvendo o governo, o PT e a gestão dos recursos públicos. Você acha que isso poderá de uma forma ou de outra ter influência sobre os apoios à Marcha do dia 22?

Não dá para dizer, pois essa divisão acabou por minimizar e acirrar os ânimos. Vejo áulicos a celebrar as datas (16 e 22) como se fosse guerra de torcida, num autentico Flamengo X Vasco, quando na verdade os times em questão não tem nem o vermelho, nem o branco. São todos pretos.

Também acredito que este momento político não é um momento comum. Acabamos de ver o Presidente da Câmara ser retirado do cargo, por corrupção, alegando discriminação por ser nordestino e ninguém deu bola, ante a evidência do cheque do “mensalinho”. Maluf ainda curtiu uma cana de 41 dias. Garotinho está condenado por abuso eleitoral.


7) Essa ação do Ministério Público que você propõe poderia se estender ao apoio de empresas estatais a projetos e a instituições que têm recebido esses recursos como patrocínio?

É possível, se ficar caracterizado que o apoio é em virtude de benefício eleitoral.

Quem quer financiar a luta da comunidade negra, não tem que condicionar à filiação partidária.

Os negros do PT não são mais negros que os negros de outros partidos, ou não filiados a partidos políticos.

Esse tipo de política lembra a política praticada pelos coronéis do sertão. Lembram do tempo em que eleitores recebiam um pé de sapato antes da eleição e outro depois? Tem havido muita distribuição de recursos públicos, patrocínios e outros mimos. Isto por um lado é bom, pois como me alertou um ex-representante do MNU/RJ, “ para o povo negro, nunca a chegava nada”.

Mas isso não pode ser em troca de voto, como no tempo em que voto se trocava por dentadura.

Aí penso que cabe intervenção sim dos Tribunais Eleitorais, e desde já a investigação do MP.

Em tempos de filas no Banco Rural, saques e depósitos sem dono, muita grana em agências de publicidade, acho que a prudência recomendaria que houvesse uma grande investigação.

Até por que, o que chamo de “política do beija flor”, torna o orçamento de muitas secretarias ministeriais muitas vezes maiores do que realmente dizem ser, através das “bicadas” que dão em muitas empresas públicas e outras mais.


8) Para concluir, você participará de alguma das Marchas e por que?


Só participarei da MARCHA. Por óbvio, no dia 16.

Acho ate que não deveria haver a CONTRA MARCHA. Tudo poderia ser feito num único dia. Os contra o Governo e os a favor. Desde que fossem num único dia e com um único objetivo: protestar contra o racismo. Os negros do Governo Federal, ou a seu favor, não são mais negros do que não são filiados ao partido majoritário da base de aliança governamental.