Marcha Zumbi +10

Espaço para divulgação da Marcha Zumbi +10, que ocorrerá no dia 16 de novembro de 2005, junto aos meios de comunicação, militância, mundo acadêmico entre outros.

10.31.2005

A Autodeterminação do Movimento Negro


Por Olorode Ogiyán Kalafor (Jayro Pereira de Jesus)


"Talvez tenhamos vindo em navios diferentes

hoje estamos todos no mesmo barco"

Martin Luther King, militante norte-americanodos direitos civis (1929-68)

Em 1995, passei dois meses em Brasília (final de setembro, todo mês de outubro e até o final de novembro) colaborando com Edson Cardoso na organização da marcha dos 300 anos da ancestralidade de Zumbi, que agora em novembro de 2005 completa 10 anos. Por isso e outras razões e justificativas congrego o universo dos militantes que estão empenhados e trabalhando nos seus Estados para o sucesso da Marcha Zumbi + 10, a realizar-se no dia 16/11/2005. Porém, vejo com muita tristeza e pesar a divisão do Movimento Negro brasileiro, traduzida agora em duas marchas.


A tristeza redobra por constatar o prazer, ou o quase orgasmos dos setores do MN que estão organizando a marcha do dia 22. Mediante esse fator tenho tentado entender os motivos desse prazer e contentamento advindos de negros que se dizem ativistas da luta contra o racismo e seus desdobramentos. Desprezo veementemente a idéia que permeia a visão da sociedade branca de que o antagonismo reinante no seio da comunidade negra se inscreve como um pressuposto inerente, uma condição atávica, que tem no primitivismo como sinônimo de ausência de valores civilizatórios e civilizacionais. A sociedade racista também afirmou que a escravidão só foi possível por conta desse tribalismo autofágico, que atestam como êmico dos povos africanos. Eles (os racistas) dizem que esses elementos prosseguem como num continuum na diáspora, interferindo na dinâmica do MN.


O racismo nos moldes brasileiros não tem sido o suficiente para nos unir. Aliás, nem na África do Sul, o apartheid foi combatido por toda a população negra daquele país. Havia um grupo que compartilhava ou negociava outras formas com o poder branco do apartheid. Comungo do ideário dos que pesquisam e estudam valores civilizatórios e civilizacionais africanos, bem como os pressupostos teológico e filosófico das culturas negras em geral, constatando mais elementos invariantes do que variantes e que a se nortear pela concepção da cosmovisão africana no tocante a sua visão de mundo, a unidade de todos os entes que compõem o cosmo é uma condição para a não desagregação do mesmo. Devido a sacralidade da Existência, a vida enquanto considerada como bimítica ou antropotheogônica, deve obedecer a uma regulamentação ritual de extremada observância, para desta forma manter o equilíbrio cosmológico. A constatação é a de que uma boa parte de nos militantes negros somos efetivamente destituídos destes valores civilizatórios africanos, a despeito dos nossos discursos de negritudes ou algo de similar como afirmação identitária.


Somos desafricanizados (Paulo Freire), fomos atingidos pelo epistemícidio (Boaventura Santos) e alvos da glotofazia (Jean-Louis Calvet). Nos destituímos dos ditames simbólicos e nos tornamos diabólicos (aquele que separa no sentido judaico cristão). Em cima disso, o neopentecostalismo trabalha. Sobrevivemos num mar de contradições trafegando numa tríade que não tem saúde mental que suporte: afirmação, negação e desumanização. Me explico: tentamos ser ocidentais e eles os brancos não nos aceitam. Não sabemos como viver africanamente e por isso vivemos num dilema. Esse drama nos coloca à mercê dos partidos e das suas incongruências e assim o descalabro é geral.


A marcha de 16/11/2005 possibilita um reordenamento do Movimento Negro no Brasil, configurando assim uma nova era na luta contra o racismo e a marginalidade social, política e econômica da população negra no país.