Marcha Zumbi +10

Espaço para divulgação da Marcha Zumbi +10, que ocorrerá no dia 16 de novembro de 2005, junto aos meios de comunicação, militância, mundo acadêmico entre outros.

10.13.2005

Mulheres Negras: Mortalidade Materna e Aborto -- uma contribuição à Marcha Zumbi + 10

Alaerte Leandro Martins

Enfermeira da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná – SESA/ISEP; Integrante e ex-presidenta do Comitê Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna do Paraná; Mestre em Saúde Pública pela UEPG, Doutoranda em Saúde Pública, pela FSP/USP (alaerteleandro@terra.com.br)


Vários estudos recentes estimam a mortalidade materna no Brasil e encontraram Fator de Correção 2, ou seja, para cada óbito materno somar um não declarado.1 Victora (2001), após revisão de literatura brasileira de métodos de cálculos de coeficientes, realizou estimativa para o período de 1995-97, chegando a uma Razão de Morte Materna (RMM) de 147/100 mil n.v. (nascidos vivos), o que o levou a concluir que ”juntando todas as fontes mais confiáveis, os níveis da RMM no Brasil parecem haver estado ao redor de 150-200 na década de 1990”.

Volochko (2003) encontrou coeficiente de mortalidade materna para o país de 66,08/100 mil n.v., em 1980, e 64,85 em 1998. Estudo de Laurenti et al (2002), estimou o Fator de Correção de 1,67 para a mortalidade materna para o país, com um aumento em 67% do número de óbitos.

Todos estes estudos resultaram em ações desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, sendo a proposta mais recente, lançada em 08 de março de 2004, o “Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal”, envolvendo: Ministério da Saúde, gestores(as), instituições e profissionais de saúde, organizações de classe da área de saúde e organizações feministas e de saúde, cita Oliveira (2004).

O desafio agora é a “estimativa por raça”, ou seja, utilizando o “quesito cor”, conforme recomendado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): branco, preto, pardo, amarelo e indígena. São raros os estudos que fazem referência à mortalidade materna e ao “quesito cor” no Brasil. Por outro lado, vários estudos na década de 1990 e mais recentemente, como Heringer (2002) e Sant’Anna (2003), apontam a precariedade das condições de vida e saúde da população negra brasileira, em especial das negras.

Enfocando inicialmente a situação de saúde da população negra, principalmente por condições geneticamente determinadas, os estudos discutem hoje questões como eqüidade na assistência e o acesso e, porque não dizer, a própria discriminação existente nos serviços de saúde.

Na mesma linha, Batista (2002) refere que “a morte materna está no grupo das doenças que afetam a população negra: cuja evolução é agravada ou o tratamento é dificultado pela falta de acesso aos serviços de saúde ou má qualidade da atenção”.

Um dado mais incisivo da discriminação racial na assistência é a pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz e a Prefeitura do Rio de Janeiro, quando constataram que hospitais, públicos e particulares, tratam diferenciadamente as gestantes brancas e as negras, sendo que um dos dados do estudo que mais impressionaram os pesquisadores foi o da anestesia no parto normal: 11,1% das mulheres negras não receberam anestésico, pouco mais do que o dobro do percentual das brancas que não foram anestesiadas (5,1%).

Estes estudos têm resultado, dentre outros, na realização de Conferências de Saúde da População Negra em algumas cidades; na impressão pelo Ministério de Saúde do “Manual de Doenças mais importantes por Razões Étnicas, na População Brasileira afro-descendente”, em 2001 e pelo PNUD/OPAS/DFID da “Política Nacional de Saúde da População Negra – Uma Questão de Equidade, Subsídios para o Debate”, em 2002.

É necessário registrar também a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, com status de Ministério, criada pelo atual governo, que junto com o Ministério da Saúde está inserindo o recorte racial no Plano Nacional de Saúde, em processo de elaboração e a realização do “I Seminário Nacional de Saúde da População Negra”, em 2004.

Outra publicação recente que merece divulgação é o livreto “Perspectiva da eqüidade no Pacto Nacional de Redução da mortalidade materna e neonatal – atenção à saúde das mulheres negras”, da área técnica de saúde da mulher.

A perspectiva é maior atenção à saúde da população negra brasileira, conforme os “campos de ação: diretrizes para a efetividade dos direitos sexuais e reprodutivos, onde a saúde deve ser considerada na perspectiva de gênero, criança e do adolescente, raça e etnia, pessoas portadoras de deficiência, com HIV/Aids e privadas de liberdade”, o que é apontado por Ventura et al (2003).

Considerando este contexto, apresentamos alguns resultados de dois estudos: “Diferenciais Raciais nos Perfis e Indicadores de Mortalidade Materna para o Brasil” (2004) e o “Dossiê Aborto – Mortes preveníveis e evitáveis” (2005), que utilizaram os dados de “bases especiais”, com informações das próprias declarações de óbito, investigadas e analisadas por pesquisadores(as) e/ou Comitês de Prevenção de Mortes Maternas, de óbitos maternos ocorridos:

  1. em capitais brasileiras, no primeiro semestre de 2002, dos dados coletados no “Estudo da mortalidade de mulheres de 10 a 49 anos no Brasil” (2002), totalizando 115 óbitos, com identificação de raça/cor constante das próprias Declarações de Óbito (DO). Base denominada CAPITAIS;

  2. no município de São Paulo, entre os anos de 1999 a 2001, procedentes do Comitê Municipal de Prevenção da Mortalidade Materna, totalizando 390 óbitos (a variável raça é investigada desde 1993). Base SÃO PAULO;

  3. nas cidades de Alagoinhas, Feira de Santana e Salvador, entre 2000 e 2002, totalizando 84 óbitos, com investigação de raça/cor realizada pelos respectivos Comitês e Secretaria Municipal de Saúde. Base BAHIA; e

  4. no estado do Paraná entre 2000 e 2002, totalizando 360 casos, do banco de dados do Comitê Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna, que investiga raça desde 1993. Base PARANÁ.

Do total de 949 mortes maternas destas bases de dados, 89 foram por aborto.


A MORTALIDADE MATERNA DE MULHERES NEGRAS


Excluindo-se os óbitos tardios, apresentamos na tabela abaixo o cálculo da RMM por regiões brasileiras. Observa-se que as mulheres brancas apresentam a menor RMM 48,73/100 mil n.v., seguidas das negras 72,61, sendo 65,07 para as pardas e 227,60 para as pretas. O total ficou para 56,04/100 mil n.v. Observa-se que a RMM é maior na região nordeste, com 71,32/100 mil n.v. e menor na região sul 41,70; o total ficou em 56,04/100 mil n.v..

Traduzindo a razão em risco de morte materna, encontramos nesta base de dados que as negras apresentaram de 1,7 e 1,8, as pardas 1,5 e 1,6 e as pretas de 5,5 a 7,4 vezes maior risco de óbito em relação às mulheres brancas.


DISTRIBUIÇÃO DOS ÓBITOS MATERNOS*, NASCIDOS VIVOS** E RAZÃO DE MORTALIDADE MATERNA POR 100 MIL NASCIDOS VIVOS SEGUNDO RAÇA, REGIÕES BRASILEIRAS, 2002.


REGIÕES


BRANCAS

OM/NV

RMM

NEGRAS

OM/NV

RMM

PARDAS

OM/NV

RMM

PRETAS

OM/NV

RMM

IGNORADAS

OM/NV


TOTAL***

OM/NV

RMM

NORTE

5/4978

(100,44)

11/24331

(45,21)

10/24205

(41,31)

1/126

(793,65)

3/243


19/30139

(63,04)

NORDESTE


4/8383

(47,71)


24/24573

(97,67)


22/23529

(93,50)


2/1044

(191,57)


6/14321



34/47671

(71,32)

CENTROESTE


3/7057

(42,51)


8/7105

(112,60)


8/6841

(102,32)


-/264



-/5225


11/19544

(56,28)

SUDESTE


14/26133

(53,57)


10/18367

(54,44)


7/17125

(40,87)


3/1242

241,54


2/15953


26/59553

(43,66)

SUL


3/12958

(23,15)


2/1367

(146.30)


-/528



2/839

(238,38)


1/53



6/14389

(41,70)

BRASIL

29/59.509

(48,73)

55/75.743

(72,61)

47/72.228

(65,07)

8/3515

(227,60)

12/35795

96/171.296

(56,04)

Fonte: *Óbitos maternos do estudo de Laurenti et al (2002); excluídos os óbitos tardios; ** nascidos vivos do SINASC, não foi identificado no estudo mulheres da raça/cor amarela e indígena.

Nota: *** inclui amarelas e indígenas.


CONCLUSÃO


Pode-se afirmar que existe grande diferencial para a mortalidade materna das mulheres negras, sendo que as mulheres pretas apresentaram:

  • o maior percentual de correção, 44,4%; de óbitos tardios, 64,7%; de solteiras, 61,19% de renda de um a dois salários mínimos, 60,5%;

  • as maiores razões de mortalidade materna: 562,35/100 mil n.v em São Paulo, 197,77/100 mil n.v. na Bahia, 407,05/100 mil n.v. no Paraná e 227,60/100 mil n.v. na base Capitais, excluindo-se os óbitos tardios;

  • risco relativo de morte materna variando de 3,7 (Bahia) a 8,2 (Paraná);

  • risco relativo de morte materna por DHEG de 8,2 com razão de 85,77/100 mil n. v., sendo as brancas 10,36 e total 11,37/100 mil n.v.;

  • risco relativo de morte materna por hipertensão arterial sistêmica de 18,2 com razão de 50,03/100 mil n.v., sendo brancas 2,75 e total 3,53/100 mil n.v.;

- o cálculo da razão de mortalidade materna na base Capitais para outras raças/cor foi: brancas, 48,73/100 mil, negras 72,61/100 mil, pardas 65,07/100 mil e total 56,04/100 mil n.v., excluindo-se os tardios; em todos as fontes de nascidos vivos utilizados para o cálculo da razão, as mulheres negras, especialmente as pretas, apresentaram sempre os maiores coeficientes;

- as mulheres pardas tiveram uma condição mais favorável, pois o número de nascidos vivos é sempre elevado; considerar que, na dúvida ou desinformação, pacientes e profissionais identificam a raça/cor como parda.

Pudemos também evidenciar que, à medida que há melhoria da informação a tendência é o aumento da confirmação estatística dos riscos para as minorias étnicas; no Paraná baixou de 27,4% para 9,2% o percentual de óbitos maternos com raça ignorada e os nascidos vivos, agora informados, foram apenas 2,5% de ignorados, ao mesmo tempo aumentou de 7,4 para 8,2 o risco das mulheres pretas, o total das negras ficaram com 4,9.

Com este desafio e os dados confirmando os diferenciais raciais na mortalidade materna no Brasil entendemos que a existência do quesito cor nos documentos oficiais foi o primeiro passo para redução das desigualdades. Recomendamos a formulação e implementação de novas práticas e políticas em saúde pública, especialmente para as mulheres negras, que compreendam:

  • a redução da mortalidade materna como uma prioridade nacional, neste sentido todos os esforços devem ser feitos pelo Estado e sociedade brasileira para que o “Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal” seja efetivamente implantado;

  • dar visibilidade à mortalidade materna especificamente através da mídia;

  • manutenção do quesito raça/cor em todos os documentos oficiais e o respectivo controle do preenchimento;

  • treinamento e sensibilização dos profissionais de saúde sobre a importância da atenção, registro e análise dos dados pessoais e sobre raça/cor/etnia e finalmente,

  • total apoio de todas as instâncias do Estado e sociedade brasileira à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR e Ministério da Saúde, que estão inserindo o recorte racial no Plano Nacional de Saúde e, para tanto, promoveu, entre outros, o “I Seminário Nacional de Saúde da População Negra”, em 2004.


A MORBIDADE POR ABORTO


É necessário ressaltar que a ilegalidade condena todas as mulheres. Tanto faz o aborto ser ou não provocado, ao chegar em um serviço de emergência obstétrica com abortamento em curso ou com complicações decorrentes do aborto, as mulheres são tratadas como criminosas, as últimas a serem atendidas, até que muitas fiquem sequeladas ou morram.

Conforme Carneiro (2005), a criminalização da prática do aborto tem sido muito eficiente em manter uma indústria rendosa de aborto ilegal, sustentada pelas mulheres que o podem realizar em condições seguras nas clínicas especializadas e, também, por aquelas que não dispõem dessas mesmas condições, mas assim mesmo o fazem e o pagam, segundo suas possibilidades, expondo-se às seqüelas e riscos de vida devido às condições inseguras. Para as negras e as pobres, em geral, restam seqüelas definitivas ou a morte, às quais o Estado brasileiro assiste de forma indiferente.

Dependendo do país e das condições de acesso a métodos contraceptivos, admite-se que apenas uma entre três, cinco ou sete mulheres necessite de hospitalização por aborto, e os casos restantes não sejam informados. “Em situação de abortamento, as mulheres nem sempre vão ao hospital, especialmente se a gravidez não era desejada, a menos que ocorra hemorragia intensa ou haja infecção”. (The Alan Guttmacher Institute, 1994), por isso propõe a seguinte metodologia para estimar o número de abortamentos provocados em um país onde o procedimento é ilegal:

Passo 1) Tomar o número total de curetagens por aborto realizadas no sistema de saúde;

Passo 2) Corrigir o dado em 12%, devido a estatísticas incompletas em face de procedimentos realizados por convênio e particulares;

Passo 3) Deduzir 25% do dado corrigido, relativos aos abortos espontâneos;

Passo 4) Multiplicar por um fator de correção que pode ser de 3, ou 5, ou 7, dependendo da fração de mulheres que se imagina que deixam de procurar os serviços de saúde em caso de abortamento. No caso do Brasil, as pesquisadoras Corrêa&Freitas propõem utilizar no mínimo o fator 3,5 (três e meio) e, no máximo, 5 (cinco).

Com esta memória de cálculo teríamos para o Brasil: 201.600 X 3,5 (fator de correção mínimo) = 705.600 abortos provocados/ano ou 201.600 X 5 (fator de correção máximo) = 1.008.000 abortos provocados/ano

Estudos sociológicos mostram que as condições de vida na cidade e o custo para cuidar de uma criança, além das aspirações e necessidades profissionais das mulheres urbanas, elevam a busca de meios para evitar a gravidez e reduzir o número de filhos. É certo que, também, é nas cidades maiores que se pode recorrer com menos receio às clínicas clandestinas de aborto, desde que se tenha o recurso financeiro para isso: atualmente, o preço do procedimento em uma clínica pode variar de R$ 1.500,00 a R$ 3.500,00. Também é possível adquirir Cytotec, com custo variando de R$ 20,00 a R$ 100,00 por comprimido, nas condições da clandestinidade.

Considerando-se a média de 238 mil procedimentos por ano, a partir de 1999, a um custo médio unitário de R$ 125,00, pode-se estimar que o gasto anual do SUS seria da ordem de R$ 29,7 milhões (cerca de 10 milhões de dólares) com internações decorrentes de aborto. Não estão incluídos aqui os casos de abortamento infectado, que evoluem para septicemia e exigem internações prolongadas, administração de antibióticos de alto custo por muitos dias e até internação em CTI! Ou seja, 10 milhões de dólares ainda é uma estimativa aquém dos gastos reais.

No DATASUS é possível obter os dados de internações por aborto classificados em três diagnósticos: “espontâneo”, “aborto por razões médicas” e “outras gravidezes que terminam em aborto”. Não fica esclarecido como é feito esse diagnóstico e nem por que não é utilizada toda a classificação da CID-10. Entre 1999 e 2002, do total de 989.156 abortos registrados, os espontâneos totalizaram 40,7%

Entre 1999 e 2002, selecionando-se apenas as mulheres em idade fértil, de 10 a 49 anos, totalizam 985.709 internações por aborto e observa-se a seguinte distribuição por faixa etária: 1,2% em meninas de 10 a 14 anos; 20,0% entre 15 e 19 anos; 52,1% entre 20 e 29 anos; 22,1% de 30 a 39 anos; e 4,6% acima de 40 anos.

Frente à situação de criminalização, ilegalidade do abortamento por decisão da mulher e ao número expressivo de abortamentos inseguros, há vários projetos tramitando no Congresso Nacional que ampliam as possibilidades de aborto. Argumenta-se que, na situação atual, predomina uma grande hipocrisia, pois milhares de mulheres abortam por inúmeras razões, mas apenas as que possuem boa situação financeira o fazem com segurança. Muitas mortes poderiam ser evitadas se o procedimento fosse realizado por profissional habilitado, em clínicas e em hospitais.

O debate sobre a descriminalização e a legalização do aborto no Brasil ganhou novo impulso no fim de 2004 com a decisão do governo federal, anunciada pela Ministra Nilcéa Freire, da SPM (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres), de constituir uma Comissão Tripartite (governo, legislativo e sociedade civil) para rever a legislação restritiva e punitiva pertinente ao tema. Isso evidencia o cumprimento do compromisso assumido pelo Estado brasileiro nas Conferências do Cairo (1994) e de Beijing (1995) de garantir atenção humanizada ao aborto inseguro e rever as leis que punem o aborto “provocado”.

Não podemos deixar de destacar o papel de vanguarda e de mobilização que vem sendo empreendido pelas Jornadas Brasileiras pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro com vistas a estimular e organizar a mobilização nacional pelo direito ao aborto legal e seguro; apoiar projetos de lei que ampliem os permissivos legais para o aborto; contrapor-se aos projetos de lei que representem retrocessos; ampliar o leque de aliad@s para a descriminalização/legalização do aborto; e promover o debate.


A MORTALIDADE POR ABORTO

Em 1998, no Brasil, entre as causas diretas de morte materna, o aborto era a quarta causa, com 4,7%, sendo 1,3 % de abortos espontâneos e 3,4 % de provocados. A eclâmpsia (21,2%), as síndromes hemorrágicas (12,4%) e a infecção puerperal (7,0%) são, respectivamente, a primeira, segunda e terceira causa de morte materna, conforme Tanaka (2001).

Entre 1999 e 2002, o total de óbitos de morte materna (por causas relacionadas à gravidez, parto e puerpério), entre mulheres de 10 a 59 anos de idade, foi de 6.301 casos. Observando-se a distribuição por faixa etária, constata-se que, em média, as mortes por aborto representam 8,5 % do total das mortes maternas, mas aparecem com maior peso entre as mulheres mais jovens: 14,0% de 10 a 14 anos.

Os dados indicam que as meninas até 15 anos e as mulheres entre 30 e 39 anos aparecem com maior peso na mortalidade por aborto do que na morbidade. Para confirmar esse indicativo seria necessário calcular a Taxa ou Razão de Morte Materna por aborto, tendo por denominador o número de nascidos vivos por faixa etária das mães.

Excluindo-se os dados da cidade de São Paulo, que teve todos os óbitos classificados como O08, observa-se na tabela a seguir que a ilegalidade do aborto leva ao óbito materno: em caso de aborto – provocado, clandestino ou espontâneo – as mulheres são tratadas da mesma forma quando chegam às maternidades. Ou seja, quando uma mulher chega a uma maternidade em processo de abortamento, ela é vista e tratada como potencialmente culpada de um crime; então, tanto o aborto quanto o tratamento, em geral, são cruéis e desumanos.

Distribuição dos óbitos por aborto segundo causa básica e fonte de dados, cidades brasileiras selecionadas, 1999 a 2002.


Capitais

Bahia

Paraná

Total


N

%

N

%

N

%

N

%

O00 Gravidez ectópica

4

33,3

4

22,2

3

13,6

11

21,1

O01 Mola hidatiforme

-

0,0

2

11,1

1

4,5

3

5,8

O02 Outros produtos anormais da concepção

1

8,3

1

5,5

1

4,5

3

5,8

O03 Aborto espontâneo

1

8,3

2

11,1

9

40,9

12

23,1

Subtotal

6

50,0

9

50,0

14

63,6

29

55,8

O04 Aborto por razões médicas e legais

-

0,0

-

0,0

-

0,0

-


O05 Outros tipos de aborto

2

16,7

1

5,5

4*

18,2

7

13,5

O06 Aborto não especificado

4*

33,3

7

38,9

4

18,2

15

28,8

O07 Falha na tentativa de aborto

-

0,0

-

0,0

-


-

0,0

Subtotal

6

50,0

8

44,4

8

36,4

22

42,3

O08 Complicações cons. a aborto e gravidez ectópica ou molar

-

0,0

1

5,6

-

0,0

1

1,9

Total

12

100

18

100

22

100

52

100

Nota: inclui 01 óbito tardio.

Fonte: Fontes específicas e bases de dados especiais.


Entre mulheres mais jovens, cai para 28,6% os abortos classificados como não intencionais, enquanto na faixa de 30 a 39 anos esse percentual chega a 36%. É um indício de que o aborto provocado pode estar fazendo mais vítimas entre as mulheres mais jovens.

Ocorreram 43 casos de aborto em mulheres brancas (48,3% do total) e 37 com negras (41,6%). Assim, a RMM foi de 5,59/100 mil nascidos vivos para as brancas; 9,98 para as pardas; e 36,23 para as pretas. Para as negras (pretas + pardas), a RMM foi de 11,83/100 mil nascidos vivos.

Em relação às causas específicas de aborto, as mulheres pretas tiveram 50% dos óbitos entre O00 e O03 (não provocado) e apresentaram risco relativo, em relação às mulheres brancas, de 6,48; as negras, de 2,1.


CONCLUSÃO

Mesmo que as taxas de mortalidade por aborto apresentem queda, permanecem estáveis os números de Curetagens Pós-Aborto (CPA). É necessário conhecer melhor, em cada estado brasileiro, quem são as 238 mil mulheres que, a cada ano, buscam os hospitais do SUS para realizar esse procedimento. É fundamental melhorar a qualidade de preenchimento das fichas e registros, bem como atrair a atenção de estudantes e pesquisadores para o assunto.

Entre os 89 casos de óbitos de mulheres por aborto analisados a partir das fontes específicas, identificou-se que 41,6% eram negras, 62,9% eram solteiras ou separadas, 60% trabalhavam como domésticas ou eram donas de casa, 73% tinham escolaridade inferior a 8 anos de estudo e 55% tinham menos de 29 anos de idade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


MARTINS, A. L.; Diferenciais raciais nos perfis e indicadores de mortalidade materna para o Brasil, pesquisa do Departamento de Desenvolvimento Internacional do Governo do Reino Unido (DFID/UK), 2004.


MARTINS, A. L.; MENDONÇA, L.C.; Dossiê Aborto – mortes preveníveis e evitáveis, Belo Horizonte: Rede Feminista de Saúde, 2005, 48p; (disponível em http://www.redesaude.org.br).

REDE FEMINISTA DE SAÚDE, Prevenção da Mortalidade Materna, folheto 28 de maio de 2004, (disponível em http://www.redesaude.org.br).

1. Dentre eles Tanaka & Mitsuiki (1999), Victora (2001), Laurenti et al (2002) e Volochko (2003), Tanaka & Mitsuiki (1999).

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